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GRANDES POEMAS DA NOSSA LÍNGUA XXXIV

A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Cabe agora reverenciar aquele que é, para muitos, o maior poeta brasileiro: Carlos Drummond de Andrade. Lançou seus primeiros versos em 1930 ( Alguma poesia ), aos 27 anos. Formado em Farmácia, não exerceu a profissão. Foi funcionário público por quase toda vida, de maneira que a função pública foi seu mecenas. A literatura brasileira agradece, pois, do contrário, um talento como Drummond poderia ter-se perdido vítima das necessidades da luta pela vida. Embora nascido do Modernismo, apenas herdou o verso livre, maior liberdade de rima, ritmo e métrica, para poetar de um jeito somente dele. Hoje trazemos o Poema Amar, onde o poeta percebe o amor com esperança e amargura, quase o destino inevitável que se concretiza apenas na busca.


Imagem de Wikipedia


AMAR


Que pode uma criatura senão

Entre criaturas, amar?

Amar e esquecer, amar e malamar

Amar, desamar, amar?


Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso

Sozinho, em rotação universal, senão

Rodar também, e amar?


Amar o que o mar traz à praia

O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha

É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto


O que é entrega ou adoração expectante

E amar o inóspito, o áspero

Um vaso sem flor, um chão de ferro

E o peito inerte, e a rua vista em sonho

E uma ave de rapina


Este o nosso destino: Amar sem conta

Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas

Doação ilimitada a uma completa ingratidão

E na concha vazia do amor à procura medrosa


Paciente, de mais e mais amor

Amar a nossa falta mesma de amor

E na secura nossa, amar a água implícita

E o beijo tácito, e a sede infinita



Carlos Drummond de Andrade ( 1902/1987 ) - Se não o maior, um dos mais influentes poetas brasileiros. Escreveu sobre diversos assuntos, de questões metafísicas às misérias do cotidiano, passando por política. Mineiro de Itabira, viveu por décadas no Rio de Janeiro. Além de funcionário público, foi poeta, contista e cronista, escrevendo para diversos jornais importantes. Drummond tem um estilo único, em que mistura ou permeia muita ironia, empatia e visão do mundo.

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