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GRANDES POEMAS DA NOSSA LÍNGUA XXXV

A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Cabe agora reverenciar aquele que é, para muitos, o maior poeta brasileiro: Carlos Drummond de Andrade. Lançou seus primeiros versos em 1930 ( Alguma poesia ), aos 27 anos. Formado em Farmácia, não exerceu a profissão. Foi funcionário público por quase toda vida, de maneira que a função pública foi seu mecenas. A literatura brasileira agradece, pois, do contrário, um talento como Drummond poderia ter-se perdido vítima das necessidades da luta pela vida. Embora nascido do Modernismo, apenas herdou o verso livre, maior liberdade de rima, ritmo e métrica, para poetar de um jeito somente dele. O poema de hoje - Os Ombros Suportam o Mundo - tem seu pessimismo justificado, visto que foi escrito pouco tempo após o início da 2ª Guerra Mundial.


Imagem de Wikipedia


OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade ( 1902/1987 ) - Se não o maior, um dos mais influentes poetas brasileiros. Escreveu sobre diversos assuntos, de questões metafísicas às misérias do cotidiano, passando por política. Mineiro de Itabira, viveu por décadas no Rio de Janeiro. Além de funcionário público, foi poeta, contista e cronista, escrevendo para diversos jornais importantes. Drummond tem um estilo único, em que mistura ou permeia muita ironia, empatia e visão do mundo.

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