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MISTÉRIO EM PLATÔNIA

Foto do escritor: Hatsuo FukudaHatsuo Fukuda

Uma aventura do delegado Plínio.



Imagem feita por Canvas com IA.



CAPÍTULO 1



MANHÃ DE DOMINGO EM PLATÔNIA


De como o delegado recém-chegado à cidade descobre uma das atrações turísticas da pacífica cidade de Platônia.


Enquanto o delegado pensava se faria a barba, tocou o telefone. Edevaldo, o escrivão, de plantão, anunciando que haviam descoberto um corpo na margem do rio. Como ele tinha acabado de chegar na cidade, Edevaldo perguntou se queria ir ao local. Olhando no espelho os olhos fundos, desistiu de fazer a barba e foi tomar café. O bufê do hotel consistia em café, leite, suco de laranja, pão, presunto, queijo. Algumas fatias de melão e melancia para os adeptos da vida saudável. Um bolo de laranja e um cuque, de boa aparência. Comeu um pão com presunto e foi para a frente do hotel fumar e tomar um café ruim.


Edevaldo era um policial jovem e entusiasmado. O delegado anterior fizera muitos elogios ao seu trabalho. Tomava conta da delegacia e não criava problemas. O serviço estava em dia. O carro chegou, um carro descaracterizado – o outro estava no conserto – e o recém-chegado foi apresentado a um investigador, Leonardo, ambos sorridentes para uma manhã de domingo ensolarado. Não havia nuvens e a temperatura era de 30° à sombra. Naquela cidade sempre fazia sol. Um tédio. Estavam contentes em sair do ambiente opressivo da delegacia e passear no Rio Paraná.


Havia um carro da PM no local e uma camionete. Três homens debaixo de uma árvore se abrigavam do sol forte das dez horas. Os três policiais subiram por um caminho até o alto do barranco, onde, sentado à beira de um flamboyant, um homem observava o rio majestoso a sua frente. O imenso flamboyant se destacava na beira do morro, vigiando o rio. Poderia ter sido um suicídio, não fossem os cinco furos no peito e a cara estraçalhada por um tiro. Um rastro de sangue levava a uma moita onde ele deve ter sido atingido e a seguir arrastado até a árvore, onde foi caprichosamente sentado de frente para o rio. Ele havia sangrado abundantemente antes de morrer e estava vivo enquanto era arrastado até a árvore, onde fora dado o tiro no rosto, a julgar pelos vestígios no tronco da árvore e no chão. Apesar dos seis tiros o morto tivera tempo de ver a placidez do rio antes de morrer. O zumbido de moscas varejeiras e o cheiro de sangue estavam no ar. O forte calor da região acelerara a decomposição. O policial sentiu um desgosto ao ver que o local tinha sido pisoteado pelos pescadores. Talvez houvesse algum indício para ser investigado, mas pouco havia sobrado da cena do crime.


Os três homens tinham ido ao local para pescar. Subiram para montar o acampamento e encontraram o cadáver. Uma das camionetes voltou para avisar a polícia e ainda não tinha retornado. Não sabiam de nada, ninguém conhecia o morto. Eram conhecidos do escrivão. Todos se conheciam na cidade, ao que parece. Só não conheciam o morto.


Ele circulou pelas redondezas. Havia restos de duas fogueiras, a área limpa de mato, mostrando que eram usadas habitualmente, por pescadores ou jovens que preferiam o local ao motel da cidade. Havia uma bela vista, ótima para namorar nas noites de sábado, mas o maior atrativo era a discrição do local. Para se chegar ali, era necessário conhecer a trilha, que começava um pouco depois da estradinha de terra batida.


Como o local era usado para passagem de contrabando e drogas, tudo indicava ser um acerto de contas entre quadrilhas; um crime que nunca seria resolvido. Havia a delicadeza do homem ter sido acomodado em frente ao rio, debaixo do flamboyant, mas isso era um detalhe. Acerto de contas entre quadrilhas, vítima desconhecida, autoria desconhecida; caso encerrado, comentou para Edevaldo, que relaxou ao ouvir o comentário. Ele não tinha tempo para cuidar de casos complicados.


Platônia era fim de linha; para o novo delegado, um intervalo até que o esquecessem, segundo o delegado regional. Não faria diferença: o salário era o mesmo, o serviço era menor, mais tempo para pensar na vida. Havia 31 presos na delegacia, nenhum perigoso, para eles, pelo menos. Havia um assassino do PCC, mas era profissional e estava aguardando um habeas corpus para voltar à ativa. Enquanto isso, se fazia de morto. Edevaldo, o escrivão, cuidava para que levassem a vida mais calma possível, supervisionando a comida, entregando recados para as famílias e tinha conseguido que o médico do posto de saúde visitasse regularmente os presos. Ambos bons samaritanos. O delegado circulou pelo cárcere, onde os presos estavam comendo a gororoba do dia. Um deles o observou sem disfarçar. Talvez o conhecesse de outro lugar? Logo saberia. Já tinham sabido da morte no rio. Rotina. Vários trabalhavam como mulas dos contrabandistas e traficantes e conheciam as regras. Cale a boca ou morra. Pague o que deve ou morra. Obedeça ou morra. Todos eram livres para escolher.


Os rapazes estavam discutindo a morte. Os seis tiros, um deles no rosto, tinham impressionado. Só podia ser coisa de um traficante furioso. Para eles, trabalho a menos, nunca se saberia a autoria. Um investigador, Aparecido, estava atendendo uma mulher que estava dando queixa do roubo de um botijão de gás.


“Dr., estou dizendo, foi meu vizinho que roubou o botijão. O senhor tem que ir lá para pegar de volta.”


“Como a senhora sabe que foi o vizinho?”


“Só pode ter sido o disgracido.”


O delegado saiu para almoçar antes que ela o visse.


Quando voltou no dia seguinte, várias novidades o aguardavam. Uma mulher tinha reconhecido o morto. Era o Dr. Maneco do Hospital, um médico, ex-deputado, figura muito conhecida na cidade. Sua mulher o reconhecera pelas roupas, e por uma cicatriz que ele tinha nas costas. Como o Edevaldo e o investigador não o haviam reconhecido?


“Você não conhecia o Dr. Maneco, Edevaldo?”


“Só de vista, Doutor. Quando chegamos no rio, mal olhei para o corpo. Achei que era um acerto de contas entre quadrilhas, não prestei atenção.”


Ele falava candidamente, como um bom policial conversando com o delegado. Deixou passar. Não ia comprar briga com o escrivão no primeiro dia de trabalho.


O prefeito estava na linha. O novo delegado não seria esquecido tão facilmente.



Esta é uma obra de ficção. Os leitores desavisados que se dispuserem a ler (por sua própria conta e risco) estejam advertidos que este Blog não se responsabiliza pelos desatinos do autor. Este romance será publicado em capítulos toda terça-feira. Qualquer semelhança com locais, fatos e pessoas é mera coincidência. A publicação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso o autor morra, se suicide ou seja internado por insanidade mental. (Nota do Editor).

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