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MISTÉRIO EM PLATÔNIA

Foto do escritor: Hatsuo FukudaHatsuo Fukuda

Uma aventura do delegado Plínio.


Imagem feita com IA por Canva.



Capítulo 6


MIRTES


O delegado Plínio investiga. Surge uma luz no túnel.



Trabalhar em péssimas condições faz parte do ofício, pensou o delegado Plínio. Ele era pago para fazer o trabalho, não para reclamar. Já que em Platônia um muro de silêncio se erguera e as investigações não avançavam, resolveu fazer perguntas em Curitiba. Histórias que não se contam no interior, as pessoas ficavam sabendo aqui.


Ligou para Mirtes, combinando um encontro. Pela profissão, ela conhecia pessoalmente ou ouvira falar de todas as pessoas da cidade. Já tivera casas muito movimentadas e famosas. Agora mantinha uma lojinha, longe dos tempos de glória, mas ativa, e que não funcionava nos finais de semana. Longe estavam as noitadas onde políticos e empresários ricos promoviam festas regadas a champanhe, com shows espetaculares e mulheres deslumbrantes, vestidas para matar. A freguesia hoje comparecia durante o horário de expediente, após o almoço, o movimento crescendo durante a tarde, entrando na noite e indo até as 10 horas, quando fechava. O Bar da Mirtes era muito discreto. As moças eram bonitas e não usavam perfume, um detalhe importante para os homens casados. Um desavisado pensaria ser um bar comum, mas não era. Ela tinha um compromisso, e combinaram um encontro na Sorveteria do Gaúcho, na Praça do Skate. Plínio nunca soubera que ela gostasse de sorvete ou de skate, mas as mulheres que o surpreendiam o deixavam sempre bem-humorado. Ele gostava do inesperado.


Estava vestindo uma saia longa e colorida, que escondia suas belas pernas. O rosto levemente maquiado dava a ela um ar juvenil que combinava com os cabelos soltos. Um cabeleireiro hábil fizera o trabalho. Uma bolsa Louis Vuitton e um tênis Louboutin lembravam os dias de prosperidade. Ela tinha estado, anos atrás, na delegacia, e o delegado Plínio tomara seu depoimento. Tinha sido acusada de cafetinagem e prostituição, coitada. Mas bons advogados – muitos advogados frequentavam sua casa – mostraram o absurdo das acusações e o caso fora encerrado. A amizade com o delegado permaneceu.


Tomaram um sorvete enquanto caminhavam pela praça. Garotos tatuados faziam manobras perigosas. Uma daquelas tardes gloriosas de Curitiba, com um céu azul-claro e uma luz que fizeram a alegria dos pintores, quando havia pintores que faziam paisagens e cenas domésticas. O Bar do Pudim estava fechado, mas a tarde pedia sorvete, e Plínio sabia que Mirtes não era dada ao álcool. Sempre a vira sóbria e sedutora, atenta para depenar os fregueses, a qualquer hora do dia ou da noite. Era uma predadora que nunca descansava.


Caminharam lentamente em direção à entrada do Cemitério Municipal, sorrindo um para o outro, contentes com a companhia e a tepidez da tarde. Mirtes se dirigiu ao portão. Logo depois da entrada, ela pegou a alameda à direita. Junto ao muro da praça, uma profusão de ex-votos e pequenas placas anunciavam um santuário. Um cheiro de velas pairava no ar. Em uma pequena capela via-se a imagem representando a santinha popular, Maria Bueno. Era a santa dos pobres e das mulheres problemáticas. Uma mulher assassinada pelo amante e acusada de ser prostituta era objeto da devoção de Mirtes. Plínio observou em silêncio enquanto ela retirava uma almofada da bolsa, e se ajoelhava para rezar, a cabeça baixa, os olhos fechados e as mãos unidas.


***


Contou o caso, que ela já sabia, pelo noticiário dos jornais e pelas redes sociais. O silêncio das testemunhas, a falta de colaboração, a história que todos se conheciam, mas não se conheciam de verdade. Ela ouvia enquanto observava uma moça manobrando um skate.


- Um grupo esteve certa vez na minha casa antiga. Mas o que eu tinha a oferecer não interessava a eles. Eu tinha umas garotas novas, mas eles queriam menininhas. Não é meu ramo. Já tinha problemas demais com adolescentes falsificando documentos para trabalhar. Mas elas eram mulheres feitas, apesar da idade. Imagine se eu iria arrumar crianças para a clientela. Um deles era de Platônia, eu sabia por que ele era deputado. Muitos políticos frequentavam minha casa. Ele disfarçou, dizendo que eram os amigos que queriam as meninas, mas estava na cara que todos estavam interessados. Nunca mais os vi.


Ela não lembraria as fisionomias. Tinha sido há muito tempo. Eram cinco, ou seis? Talvez. Só tinha certeza do deputado, bem conhecido na época. Foram caminhando devagar em direção ao carro de Plínio. Ela olhou com desdém para o carro malconservado. Mas ela o conhecia e sabia de seu desinteresse por carros. Plínio só se interessava pelo trabalho. E mulheres. E bebidas. Era um homem tedioso, ela pensou. “Cada homem que aparece na vida de uma mulher. Maria Bueno que o diga”. Ela se acomodou no carro. Não sabia quando se encontrariam novamente. O que se leva da vida é a vida que a gente leva, era o seu lema. A santinha concordaria.


- Plínio, chega de trabalho. É hora de agradar a mocinha.


Plínio sorriu. Mirtes lhe dera o motivo. Estava na hora de agradar a mocinha.



Esta é uma obra de ficção. Os leitores desavisados que se dispuserem a ler (por sua própria conta e risco) estejam advertidos que este Blog não se responsabiliza pelos desatinos do autor. Este suposto romance será publicado em capítulos toda terça-feira. Qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência e não poderá ser imputado ao blog qualquer responsabilidade. A publicação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso o autor morra, se suicide ou seja internado por insanidade mental. (Nota do Editor).


Se você deseja reler os capítulos anteriores, a obra completa - até onde foi aqui publicada - estará entre os posts já publicados, bastando você rolar a tela para encontrá-la.




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