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MISTÉRIO EM PLATÔNIA

Foto do escritor: Hatsuo FukudaHatsuo Fukuda

Uma aventura do delegado Plínio.


Imagem feita com IA por Canva.



Capítulo 7


UMA FAZENDA EM PLATÔNIA


O delegado Plínio viaja no tempo e no espaço.


A estrada até a Fazenda Dois Irmãos era bem conservada, com trechos sinuosos, mas quase sempre em linha reta. Leonardo dirigia enquanto tagarelava. Convidou o delegado para a festa de aniversário do vizinho da delegacia. Seria um churrasco, só para os bons, disse. Plínio pensou que neste caso ele não deveria comparecer, mas ficou em silêncio. Percorreram um trecho à beira do rio. A caminho do primeiro corpo, Dr. Maneco, haviam passado por lá. Abriram uma cancela que levava à propriedade, igual a todas as cancelas de fazendas mundo afora. A estrada interna mostrava sinais de cuidado. A paisagem parecia construída por um pintor de paisagens. Alguma lembrança fugaz veio à memória de Plínio, mas ele deixou passar.


Quando chegaram à sede, a casa senhorial, construída em estilo germânico, dominando outras construções no mesmo estilo, iluminou sua mente. Eles estavam em uma propriedade que poderia estar na Alemanha. Ali teria morado um aristocrata prussiano, em meio a criados, cachorros e cavalos, no intervalo entre as guerras de Frederico II. Um moinho de água próximo à sede completava o cenário. Frau Müller não era uma fazendeira comum.


Quando chegaram, o delegado Plínio despachou Leonardo. Ele deveria circular pela propriedade e conversar com o pessoal da casa. “Seja discreto, ela não é suspeita, é a mulher da vítima” avisou, sabendo que era uma recomendação inútil. Mad Leo não era um homem sutil. Para ele, o mundo estava povoado de criminosos. E todos eram culpados até prova em contrário. Mas ele era uma pessoa gentil e seu olhar de cachorrão amoroso agradava as mulheres. Já os homens admiravam seus músculos e sua conversa franca e masculina. Ele daria conta do recado.


Ingrid o recebeu sentada no sofá, relaxada, com cabelos molhados colados na cabeça, com ar de quem havia tomado um banho. Cheiro de sabonete no ar. Os olhos azuis já não tão escuros. Era uma mulher que gostava da vida no campo. Tinha acabado de matar uma vaca, disse.


Olhou para as fotos emolduradas nas paredes e prateleiras: fotos do casal, um touro premiado, cavalos, pôr-do-sol na fazenda, vistas do Rio Paraná, o hospital, festas na piscina. Não tinham filhos. Na beira da piscina uma loira de óculos escuros sorria para a câmera, mostrando um corpo bronzeado. Uma foto de um colorido antigo, de um grupo de adolescentes sorridentes em frente ao colégio da cidade chamou sua atenção. Reconhecera o Dr. Maneco entre os cinco rapazes. Tirou uma foto com o celular.


Frau Müller deu ordens para uma governanta que aparecera silenciosamente.


Margarethe, bring bitte einen Kaffee mit.


Percebendo onde estava o olhar do delegado, Ingrid comentou:


- São colegas de escola. No centro, o João Apolinário. À sua direita, Maneco. À esquerda, Marcos. Não conheço os outros dois. Acho que não moram mais na cidade. Mas eles nunca estiveram aqui. Maneco nunca me falou deles.


E dois deles haviam sido assassinados. O delegado anotou mentalmente que deveria conversar com João Apolinário.


Uma jovem loira, de olhos azuis claros, apareceu com café, água e biscoitos. O aroma de café fresco e biscoitos quentes tomou conta da sala. Ela os serviu, enquanto Ingrid e Plinio se olhavam em silêncio, e se retirou.


Uma das Glock tinha desaparecido, disse, com um ar casual.


- A Glock estava registrada?


- Claro.


- Notificou a polícia do desaparecimento da arma?


- Não. Não tive tempo. Só me dei conta disso ontem.


- Tem idéia de como aconteceu?


- Não sei. Eu a usei no mês passado. Eu a deixei no galpão, após um exercício. Um dos peões deve tê-la guardado e esqueceu de me avisar. Preciso perguntar ao pessoal.


Ingrid chamou o encarregado, um homem alto, magro, de cabelos grisalhos curtos e que falava com sotaque que era um misto de alemão e espanhol. Devia ter vindo do Paraguai. Ele de nada sabia. Iria averiguar entre os trabalhadores. Mas todos os empregados frequentavam o local. Qualquer um deles poderia ter pego a arma. Ele faria uma lista do pessoal para ser interrogado pela polícia.


Foram até a sala onde ficava a coleção de armas. Tinha aprendido a atirar com o pai, um alemão que vivia em Marechal Cândido Rondon, nascido no Paraguai e que havia se estabelecido no Brasil. Em uma das paredes, várias armas antigas chamavam a atenção. Plínio reconheceu uma Luger, mas não as demais. Uma submetralhadora e um fuzil de assalto ocupavam um lugar de destaque, junto com a Luger. “Armamento padrão do soldado alemão na Segunda Guerra”, ela disse. Uma AK-47, ao lado de um M 16. Ela apontava uma a uma e falava como conhecedora. Todas as armas brilhavam, e percebia-se um leve odor de óleo. Todas pareciam prontas para uso. Ela era uma colecionadora cuidadosa.


Agora que não havia mais perguntas, havia outra tensão no ar.


Falaram de coisas aleatórias e desconexas. A cidade, a beleza do rio, como gostava de cavalos, das festas de faculdade, das temporadas no Rio de Janeiro aonde ia sempre que podia. Música sertaneja. Dançar. A vida solitária na fazenda, com o marido sempre viajando, fazendo política ou trabalhando no hospital. Leituras. Cuidar dos animais na companhia de peões, a égua que deu cria, o gado de raça, o touro premiado. A festa para a qual matara uma vaca.


A voz tornou-se mais lenta e rouca. Depois de algum tempo, só ela falava, como num confessionário. Às vezes ria, sem motivo; os olhos ficaram úmidos ao lembrar da irmã. A noite chegou sem que percebessem, trazendo uma friagem.


Não falou do marido.


Mas o delegado não se deixou seduzir pela intimidade. O ambiente rígido e disciplinado da fazenda destoava da fragilidade de Ingrid. Algo estava fora de lugar.


***


Entraram no carro, e Leonardo foi arrancando devagar. A bela casa germânica foi ficando para trás, enquanto passavam pela alameda de ipês amarelos e roxos. Enquanto Plínio conversava com a dona da casa, ele não tinha perdido tempo. Andara pela casa, conversara com os empregados da mansão, e os peões que cuidavam do gado e estavam de folga durante a tarde.


- A cozinheira, a Piedade, se engraçou comigo. Combinei voltar amanhã à noite para conversar com ela.”, disse sorrindo.


Mais confusão na vida de Mad Leo. Ele não media sacrifícios pelo trabalho.


- Frau Ingrid é uma excelente atiradora. Os peões dizem que ela pratica todos os dias.


Ele tinha visto as armas. Só não tinha visto a Glock.


- Uma das meninas treina com ela. Uma polaquinha.


Para Mad Leo, que tinha acabado de sair de uma fazenda alemã, todas as mulheres loiras eram polacas.


- O nome dela é Irina. Estão sempre juntas. E Irina tem um namorado, o rapaz que fabrica linguiças na estrada do rio.



Esta é uma obra de ficção. Os leitores desavisados que se dispuserem a ler (por sua própria conta e risco) estejam advertidos que este Blog não se responsabiliza pelos desatinos do autor. Este suposto romance será publicado em capítulos toda terça-feira. Qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência e não poderá ser imputado ao blog qualquer responsabilidade. A publicação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso o autor morra, se suicide ou seja internado por insanidade mental. (Nota do Editor).


Se você deseja reler os capítulos anteriores, a obra completa - até onde foi aqui publicada - estará entre os posts já publicados, bastando você rolar a tela para encontrá-la.




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