Uma aventura do delegado Plínio.

Imagem feita com IA por Canva.
Capítulo 8
CHURRASCO NA LAJE
O delegado é sempre o último a saber.
Plínio acordou no dia seguinte inquieto. A tentativa óbvia de Frau Müller de seduzi-lo era um dos motivos. Já sabia que o casamento dela era mera conveniência comercial, mas a intimidade com que fora tratado o deixara frio. Plínio não tinha ilusões sobre si mesmo. Seus feromônios estavam ativos, mas ele não era Brad Pitt. Ingrid Müller queria afastá-lo da investigação, e para isso usou da arma que mulheres usam desde sempre, o sexo e uma falsa fragilidade. Mas havia outras questões que o deixavam insatisfeito. O fato que Maneco, Marcos e João Apolinário eram amigos desde a adolescência e isso nunca chegara a seu conhecimento. Na cidade todos se comportavam como se as vítimas mal se conhecessem.
Na delegacia ele deu tarefas para o pessoal. Leonardo e Maíra percorreriam a estrada do rio para conversar com os moradores. Talvez alguém tivesse visto alguma coisa na noite da morte do Dr. Maneco. Edevaldo deveria pressionar as empresas telefônicas para apressarem a entrega das ligações celulares das vítimas e chamar João Apolinário para prestar depoimento. O pessoal saiu para cumprir as tarefas e o delegado começou a despachar os inquéritos e atender telefonemas.
Edevaldo abriu a porta e anunciou que João Apolinário tinha saído para pescar e ficaria fora alguns dias. Não havia cobertura de celular onde ele estava. Os relatórios das empresas telefônicas estavam a caminho. “Estão vindo pelo Correio, em lombo de burro”, falou com ar de galhofa. Leonardo havia saído armado até os dentes. Maíra somente com um 38 e a faca na cintura. “Voltamos para o churrasco”, Leonardo disse sorrindo. Ele precisava de muita proteína para manter os músculos.
O aniversariante, Amílcar, era vizinho, dono de uma loja de material de informática e que consertava de graça os computadores da delegacia, graças à amizade com Edevaldo. Era um anfitrião jovial e animado. Como ele conhecia os amigos que tinha, todos eram intimados a trazer bebidas. O delegado Plínio levou uma garrafa de uísque. Foi muito festejado, mas naquela região bom uísque era artigo comum. Chegou com Edevaldo, depois do expediente, e foi levado ao terraço onde havia uma churrasqueira e algumas pessoas já estavam tomando cerveja. Havia duas crianças, filhos do aniversariante, e a esposa, mas logo eles se foram. A festa era só para os amigos e clientes.
O assador, Josino, era um amigo do dono da casa. Um taxista que agora trabalhava com Uber. Ele cortou uns pedaços de picanha, colocou-os no prato e o deixou ao alcance do delegado. Plínio retribuiu com um copo de cerveja, que ele tomou aos golinhos enquanto também comia a carne, de olho na churrasqueira.
Comeu uns pedacinhos de carne fumegante, de pé, ao lado do churrasqueiro. Tomou um copo de cerveja. Estava faminto após o dia de trabalho. O delegado olhou para a garrafa de uísque, mas resistiu. Estavam tocando Boate Azul, e os convidados, apesar de sóbrios, acompanhavam a canção. Mais algumas doses e eles a cantariam aos brados. Não seria um bom negócio. Ele tinha uma reputação a zelar. Em pedaços, mas tinha.Enquanto virava a carne, Josino comentou, sem olhar para o delegado, quase sem mover os lábios, falando para si, que já tinha assado carne na Km 30, fazenda do João Apolinário. Plínio, ao lado, de costas para a churrasqueira, observava um gavião circulando sobre o rio.
- De vez em quando me chamavam para assar carne lá. Eram sempre os mesmos. Uma vez sortearam uma menina mais novinha entre eles. Só cinco homens e umas novinhas. Coisa fina, disseram.
- Mais novinha quanto?
- Não vi. Ela só apareceu depois que eu saí. Alguém falou em 12 anos.
Edevaldo conversava com o anfitrião e observava a conversa. Mad Leo e Maíra chegaram, os dois com as botas sujas de lama, e foram direto para o balcão. Um dos convidados se apossara do bar e preparava uma fileira de shots de tequila. Leo e Maíra bateram os copos e beberam de um gole a bebida. Pegaram outros dois copos. Duas garotas de minissaia, botas e chapéu, dançavam animadas.
Josino se virou para o delegado e disse:
- Doutor...
O delegado não o deixou continuar.
- Ok. Fique tranquilo.
Plínio foi conversar com os outros convidados. Pensou em matar o Edevaldo, mas neste caso ele ficaria sem um escrivão. Tomou uma dose de uísque sem gelo. Estavam tocando “Foi pensando em você”, de Mato Grosso e Matias.
***
O escrivão Edevaldo era boa-praça, esforçado, sério, fazia mais do que era o seu dever na delegacia. Todos gostavam dele. Estudava direito em Maringá, e estava sempre com um livro à mão. As contribuições dos empresários locais à delegacia sempre tinham o dedo dele. Estava estudando princípios jurídicos e começou a falar em Ronald Dworkin. O delegado conteve o ímpeto de interrompê-lo e ouviu paciente. Lembrou que quando estava na faculdade gostava de discussões jurídicas com os colegas. A mulher do botijão furtado apareceu e interrompeu a tertúlia jurídica.
Quando ele voltou, questionou-o sobre o que tinha ouvido do assador Josino.
- Volta e meia o povo fala sobre umas festas na Km 30. Mas se formos prestar atenção a todo falatório, ninguém iria trabalhar mais. Além disso, nunca houve nenhuma queixa de perturbação da ordem ou de presença de menores nas festas.
E acrescentou, com um leve tom de desafio:
- João Apolinário é um pilar da comunidade platonense.
Logo voltou ao habitual ar deferente. Plínio estava cansado disso. Mas entendia a posição dele; afinal, o delegado estava de passagem, Edevaldo era da cidade.
Mostrou a foto dos cinco rapazes no celular. Ele os reconheceu imediatamente. Eram eles. João Apolinário ao centro, ladeado por Marcos e Maneco, John Lennon da Silva e Alfredo Siqueira. Os dois últimos não moravam mais em Platônia.
O delegado é sempre o último a saber.
Edevaldo permaneceu em silêncio e em seguida saiu para vistoriar a carceragem.
Esta é uma obra de ficção. Os leitores desavisados que se dispuserem a ler (por sua própria conta e risco) estejam advertidos que este Blog não se responsabiliza pelos desatinos do autor. Este suposto romance será publicado em capítulos toda terça-feira. Qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência e não poderá ser imputado ao blog qualquer responsabilidade. A publicação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso o autor morra, se suicide ou seja internado por insanidade mental. (Nota do Editor)
Esta é uma obra de ficção. Os leitores desavisados que se dispuserem a ler (por sua própria conta e risco) estejam advertidos que este Blog não se responsabiliza pelos desatinos do autor. Este suposto romance será publicado em capítulos toda terça-feira. Qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência e não poderá ser imputado ao blog qualquer responsabilidade. A publicação poderá ser interrompida a qualquer momento, caso o autor morra, se suicide ou seja internado por insanidade mental. (Nota do Editor).
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