Um coração é só uma bomba orgânica de sangue.
Imagem de Info Escola
Qual o tolo propósito a que serve o aparato necessário para trazer o coração de Dom Pedro I ao nosso país? Qual o vil propósito por trás dos recursos públicos gastos pelo governo federal para que a cápsula de formol em que se conserva o coração do nosso primeiro imperador venha ao Brasil?
A resposta oficial seria: comemorar apropriadamente os 200 anos da Independência do Brasil. Mas esta é uma resposta inadequada e, sabemos, diz muito pouco. Ora, um coração nada mais é que uma bomba orgânica de sangue. Retirada do corpo que a sustenta seu destino é a natural decomposição, não houvesse homens estultos a ponto de colocá-la numa cápsula de formol. A única justificativa para a conservação de alguns órgãos é o estudo científico. Nada mais.
Também está em terras brasileiras uma relíquia de São Francisco de Assis, um pedaço de osso. Outra tolice, esta oriunda das muitas sandices que a igreja católica perpetrou na idade média. É estúpido e sem sentido reverenciar um pedaço de osso, tanto quanto reverenciar um coração conservado em formol. Não há neste pedaço de osso absolutamente nada da santa humildade de São Francisco, assim como não há no coração nada da coragem apaixonada de Dom Pedro I.
Além disso, até onde sei, Dom Pedro I considerava-se muito mais português do que brasileiro. Se realmente considerasse como sua terra mais o Brasil que Portugal, não teria retornado às terras lusitanas para disputar o trono. Teria simplesmente deixado seu irmão – Dom Miguel – reinar em Portugal e continuaria seu reinado no Brasil. Talvez ambos países pudessem tirar bom proveito deste arranjo. Bem, certamente a história seria outra, já que ele morreu de tuberculose pouco tempo depois...
Dom Pedro I considerava-se português, contudo. Preferiu abandonar seu filho de apenas 5 anos à própria sorte e lançar-se numa guerra entre irmãos, do que reinar em paz no Brasil. Somente a criança deixada no Brasil pode saber o sofrimento que isso gerou. Esta criança viria a ser Dom Pedro II, este sim, um verdadeiro brasileiro. Ou talvez seja injusto julgar a decisão de um pai sem conhecer seus reais motivos, já que a história nunca conta tudo...
Bolsonaro, naturalmente, nada conhece de história, tampouco domina os rudimentos de qualquer ciência. O máximo que conhece é a história recente de algumas milícias fluminenses: fulano matou beltrano que vingou sicrano... Tampouco, o Presidente deseja comemorar nossa liberdade. Pelo contrário: o coração de Dom Pedro I vem ao Brasil para um 7 de Setembro em que se planeja – Bolsonaro, alguns militares, alguns empresários e uma malta de zumbificados – apunhalar o coração da liberdade brasileira.
Eu reverencio a memória de São Francisco, sua caridade, seu afeto por todos seres vivos. Mas não reverencio um osso. Reverencio a memória de Dom Pedro I, sua coragem, sua impetuosidade e amor pela vida. Foi certamente preciso coragem para enfrentar a guerra da Independência, assim como para disputar o trono português. Mas não reverencio um coração, cujo espírito por ele mantido no corpo desejou que ficasse na cidade do Porto, palco de sua maior vitória militar.
O espetáculo oneroso da vinda do coração de Dom Pedro I ao Brasil não tem qualquer propósito patriótico. Trata-se, tão somente, de mais uma sandice presidencial, mais um passo de Bolsonaro em sua caminhada para a tirania. Cabe aos espíritos livres dos filhos deste solo, às mentes que ainda pensam inspirados por verdadeiro patriotismo, aos corações ainda pulsantes dos verdadeiros brasileiros impedi-lo de atingir este torpe propósito.
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