Republicando
Este artigo foi publicado nos primeiros dias de novembro/20, às portas da última eleição presidencial norte-americana. Ele é um exercício mental destinado a provar o quão absurdo o sistema eleitoral americano é.
Imagem de Please Don't sell My Artwork AS IS por Pixabay
Todas as tensões presentes nas eleições americanas são resultado de um sistema eleitoral elaborado no século XVIII.
Hoje é o dia das eleições nos Estados Unidos. Os americanos são uma grande nação, ninguém duvida. São também a maior e mais antiga democracia do mundo. Por isso é realmente espantoso que sejam tão atrasados no que se refere à maneira como escolhem seu líder máximo. Não me refiro apenas à não adoção plena do voto eletrônico, embora seja extremamente anacrônica a apuração de votos lançados no papel. Refiro-me, em especial, ao sistema que domina a eleição presidencial nos EUA.
Para se ter ideia de como o sistema eleitoral americano é injusto, faremos um pequeno exercício matemático. Provaremos, à força dos números, quão absurdo ele é. Trata-se de um sistema indireto, em que o povo vota no candidato, mas são os delegados de cada estado federado que elegem o Presidente. E em 48 destes estados o sistema impõe que todos os delegados sejam contados apenas para o candidato vencedor, sem respeitar a proporcionalidade da votação nas urnas: 90% contra 10%, 60% contra 40%, não importa. O vencedor leva todos os votos dos delegados.
Isso pode criar distorções terríveis, de modo que o menos votado possa vencer as eleições. Pode eliminar a ideia-conceito um homem, um voto, já que milhões de votos podem simplesmente valer nada. Isso aconteceu em 2016 com três milhões de votos para Hillary Clinton. Seu valor foi zero e Trump foi o grande beneficiado. Elegeu-se, mesmo com menor aceitação do povo.
Em média, cada delegado americano corresponde a 400.000 votos. É bom esclarecer que se trata de uma aproximação que estamos usando nesta simulação. Esta relação não se verifica exatamente em todos estados, mas é bem próxima à realidade. Os 538 delegados que elegem o Presidente representam, assim, 215.200.000 eleitores, aproximadamente o número de votantes dos EUA. Neste exercício desconsideramos Nebraska e Maine, os dois únicos estados que admitem a proporcionalidade no voto dos delegados. Estes dois estados juntos têm apenas 9 delegados, de modo que são, estatisticamente, irrelevantes. Desconsideramos também a abstenção. Como se trata de uma ficção, imaginamos que todos eleitores estejam votando. Isso nunca ocorre, mas novamente é teoricamente possível.
Nesta simulação pensaremos o quadro mais injusto possível, extremamente improvável, mas estatisticamente com chance superior a zero. Vamos supor que o candidato A elegeu-se com 270 delegados ( o número mínimo possível ). O candidato B obteve os 268 delegados restantes. Mas agora vamos admitir que para obter seus 268 delegados, o candidato B fez uma campanha perfeita e obteve 100% dos votos dos estados em que venceu. Teríamos o quadro parcial seguinte:
Candidato A - 268 delegados - 107.200.000 votos
Candidato B - 0 delegados - 0 votos.
Já o candidato B conquistou seus 270 delegados em eleições acirradíssimas, as mais disputadas possíveis nos estados em que venceu, obtendo sempre uma vantagem mínima. Teríamos o quadro parcial seguinte:
Candidato A - 0 delegados - 53.999.999 votos
Candidato B - 270 delegados - 54.000.001 votos
A somatória total apresentaria o seguinte resultado:
Candidato A - 268 delegados - 161.199.999 votos - Derrotado
Candidato B - 270 delegados - 54.000.001 votos - Vencedor
Diferença de votos - 107.199.998 votos
Teríamos nos Estados Unidos da América um Presidente eleito que recebeu 107 milhões de votos a menos que seu adversário. Incrível! Non sense! Palmas para o sistema!
Naturalmente este é um exercício mental, destinado a esticar as condições negativas ao extremo. Ainda assim, hipoteticamente possível. E por ser possível, por já ter causado injustiças em menor escala, inaceitável. Está na hora dos americanos criarem vergonha, perceberem o quão injusto e antidemocrático este sistema é. Está na hora de entenderem que voto em papel é coisa do Século XX. E que o sistema eleitoral imaginado pelos fundadores, que vige até hoje, coisa do Século XVIII.
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