Poema de Manuel Rosa de Almeida, publicado em maio do ano passado, oportunamente republicado agora após mais de 250 mil mortes de cidadãos brasileiros.

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Oh, tu, ser arrogante, que conspurca tudo!
É possível que a dureza de teu coração
Seja tal que contamine o que de mais possa haver
Em ti: pensamento, doçura, emoção?
Em dois meses morreram milhares
E fostes incapaz de uma só mensagem
De carinho, de consolo, de alento…
Aos patriotas que em seus lares
Sofreram da perda o tormento
Dos amados que seguiram viagem…
Em dois meses a nação dilacerada
Precisa de norte, de doce liderança
Mas a busca encontrou o arrivista
Que debocha, minimiza, degrada,
Que visando a si mesmo, egoísta
Consome as chamas da esperança.
Oh, tu, ser conspurcado, que te arrogas tudo!
É possível que de teu pensamento a frieza
Seja tal que contamine o que de mais possa haver
Em ti: coração, doçura, nobreza?
Para tristeza da pátria, tens sido
Como Nero em tempos antigos
Cercado de lisonjas e tolos risos
Como Dom Pedro I, tens sido,
Cercado de áulicos, não amigos
Coberto da vaidade por seus guizos.
Para tristeza da pátria, professas
Liturgias de ódio. A violência obra
Acres e torpes cantilenas
E nossas crianças, às centenas
Recitam um rosário às avessas
Em que cada conta uma morte cobra.
Oh, tu, duro ser que sequer pensas
É possível que este imenso vazio
Quem em ti a tudo contamina
Consuma a doçura do Brasil?
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