A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Hoje resgatamos, novamente, Guilherme de Almeida…

Imagem de Roland Mey por Pixabay
O MANTO COR DO TEMPO
Eis que venho de longe e sou tão pobre!
Não acreditas que eu apenas tenha
O manto cor do tempo, que me cobre.
É um trapo. Mas nas dobras da estamenha,
Que andou de sol a sol, de lua a lua,
É bem possível que consigo venha,
Preso aos ásperos fiapos da lã crua,
Um pouco do que é o mundo, do que é a vida:
-- Laivos de céu azul; poeira da rua;
Restos de arco-íris; pétala caída;
Penugem que escapou à fuga alada
E alta das estações; fímbria perdida
Do véu de noiva de uma estrela aluada;
Farrapos de neblina e de folhagem;
Migalhas de sol-posto e de alvorada;
Sobras levianas da libertinagem
Do luar!... -- Venho de longe e sou tão pobre!
Mas trago a eternidade na miragem
Do manto cor do tempo, que me cobre.
Guilherme de Almeida, o Príncipe dos Poetas, membro da Academia Brasileira de Letras, falecido em 1969.
Toda a Poesia, Tomo VI - Livraria Martins Editora S.A, São Paulo, 2ª Edição, 1955.
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