A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Hoje resgatamos Despedida, lindo poema de Cecília Meireles.
Imagem de David Mark por Pixabay
DESPEDIDA
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
Cecília Meireles ( 1901/1964 ), jornalista, escritora, professora, pintora, mas sobretudo poeta. Talvez a maior poetisa brasileira. Despedida surgiu em 1972, no livro póstumo Flor de Poemas.
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