A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Hoje trazemos Reinvenção, poema que traz a tristeza do tempo que passa e da vida que surra.

REINVENÇÃO
A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Cecília Meireles ( 1901/1964 ), jornalista, escritora, professora, pintora, mas sobretudo poeta. Talvez a maior poetisa brasileira. Reinvenção foi publicado pela primeira vez no livro Vaga Música de 1942. A base temática do poema é a solidão, o tema favorito de Cecília. Aqui, porém, ela apresenta um antídoto ou, ao menos, uma possibilidade de alívio: olhar os duros fatos da vida sob uma perspectiva diferente.
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