O Código Hays, que censurava o cinema americano, não derrotou a deusa Marlene Dietrich. Com código ou sem código, ela viveu intensamente.
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Algumas das cenas mais eletrizantes do cinema podem ser vistas em Blonde Venus, com a imortal deusa germânica Marlene Dietrich. Logo na abertura, um jovem cientista americano percorre os campos da Alemanha no verão, e encontra um bando de ninfas banhando-se em um rio. Nuas. Vislumbra-se a nudez de Marlene, ainda com ar de fraulein camponesa – quase que se pode imaginá-la ordenhando uma vaca, em uma bucólica fazenda alemã – com um rosto redondo e carnes tenras. A jovem deusa mostrava-se ali em toda a exuberância juvenil, e deixava claro que às deusas germânicas nada era proibido.
A moralista sociedade americana dos anos trinta, ainda em plena depressão econômica, e Lei Seca, não podia suportar tamanho descaramento. Marlene transformou-se em veneno de bilheteria, graças principalmente ao ódio que suscitou entre as mulheres da América, odiosamente puritana e invejosa. Nenhuma mulher se permitiria acompanhar seu marido ao cinema, para vê-lo embasbacar-se e sonhar com aquela deusa insolente recém-chegada de Valhala.
Alguns invocam o Código Hays para justificar a desgraça que se abateu sobre Marlene. Blonde Venus é de 1932, uma época em que o Código ainda não tinha a força que veio a ter (a partir de 1934). Mas algumas cenas foram devidamente tesouradas pela censura, e o filme não foi relançado por várias décadas. O Código Hays foi um movimento de auto-regulação que a indústria adotou, temerosa de enfrentar as milhares de regulações locais que surgiriam, caso ela própria não o fizesse.
O Código Hays, entretanto, refletia a moralidade social vigente. Não apenas o cinema de moto próprio se censurava. Tornou-se clássica a disputa entre Robert Heinlein, autor de romances de ficção cientÃfica para jovens, e sua editora. Muito do material foi considerado inapropriado para jovens pela editora. A editora venceu. Hoje se sabe que o background de Red Planet posteriormente foi reciclado em Stranger in a Strange Land, um clássico que, dizem, inspirou a geração Woodstock, graças ao amor livre e vida comunal que retrata. O livro, que entrou na lista de best sellers do New York Times, entretanto, foi proibido em bibliotecas de escolas – foi publicado em 1962 -, demonstrando o enraizamento do pensamento conservador na sociedade americana.
Os que como eu são fãs de carteirinha do cinema e televisão coreanas tem uma sensação de deja-vu ao ver as relações – não apenas as amorosas – entre os personagens. Quase que se pode ver um coach comportamental instruindo os roteiristas sobre o comportamento correto e socialmente aceitável dos personagens. As duplas amorosas lembram Rock Hudson e Doris Day em seus embates cor de rosa, naquelas deliciosas comédias do final dos anos 50 e começo dos 60, com castos beijos trocados raramente. E funciona. O sucesso da onda coreana por todo o mundo, inclusive o ocidental, mostra isso.
Leio na Wiki que o diretor Edward Dmytryk não se constrangia com as restrições do Código. Segundo ele, a necessidade o fazia pensar em outras soluções, que muitas vezes se mostravam melhores do que o enquadramento inicial. Tem sentido. Basta lembrar que o auge hollywoodiano se deu com o Código Hays em pleno vigor, dos anos 30 até o começo dos anos 60.
E a deusa germânica? Após um perÃodo de ostracismo, Hollywood, que não desperdiçava talento, readequou os papéis de aventureira e mulher livre e melhor aproveitou o seu talento dramático e cômico, em filmes como Destry Rides Again (onde canta See What the Boys in the Back Room Will Have), Notorius, Witness for the Prosecution, todos clássicos. Durante a guerra, a valquÃria serviu o exército americano, o que lhe rendeu a Medal of Freedom e a Legion d’Honneur. A coragem e a liberdade de ação dos personagens que interpretava eram dela própria.
Com código ou sem código, ela viveu intensamente.
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