Primo Apa ensina a harmonizar comidas e bebidas.
Chegou a noite, com seus sortilégios, mas o movimento de carros ainda é intenso. Caminho pela Comendador Araújo, e próximo a um restaurante, lembro das necessidades prosaicas da vida. Um bom jantar, acompanhado de uma boa bebida – nada melhor nestas noites frias, do que um vinho de boa safra, combinando com uma boa refeição. Procuro com cuidado a lixeira próxima do restaurante e – voilà – encontro um hambúrguer semi comido. Afasto dois vermezinhos brancos e um escarro e pego o tesouro nas mãos. Deve ser o melhor hambúrguer do mundo. Eu gosto do meu hambúrguer malpassado, acompanhado de uma taça de vinho (taça grande, de preferência cheia até a borda. Se forem duas taças, melhor ainda). Vejo que a maioria prefere acompanhá-lo com uma cerveja, ou um refrigerante, mas velhos hábitos não se perdem fácil, e eu prefiro vinho. Com hambúrguer, ou churrasco, pouco importa. Vinho tinto. Aprendi com meu mestre Omar Khayan. E os cientistas já descobriram que faz bem ao coração.
Caminho devagar, saboreando a refeição. O melhor hambúrguer do mundo. Meio podrão, mas delicioso. Como sou um otimista, não penso na ausência do vinho. Os livros de auto-ajuda que tenho lido recomendam não pensar negativamente. Pra frente é que se anda.
Duas lixeiras adiante, sentado na calçada, encontro um amigo pensativo. Vejo que ele não anda em seus melhores momentos. O dinner jacket que cobre suas vergonhas está roto, levemente esfarrapado, e visitou a lavanderia logo depois que Noé saiu da arca. Como encaro positivamente a vida, e sou um homem educado, faço de conta que o cheiro que exala é normal. Tudo na vida é passageiro, exceto o bonde e o motorneiro, como dizia minha avó.
Mas ele teve sorte no dia, e estava com um litro de gasosa na sacola, e se dispôs a partilhar uns goles comigo. Bom homem! Pena que seja socialista. Para criar empatia – sempre necessária nestes tempos difíceis – comento que teria dividido meu hambúrguer com ele, se já não o tivesse devorado alguns minutos atrás. Não é verdade, mas como diz o livro sagrado, a verdade vos libertará. Mesmo que seja mentira.
Como sou um sommelier de litrão, vejo que a gasosa de framboesa, misturada em uma proporção perfeita com um néctar da terra, harmonizou-se perfeitamente. Elogio a qualidade da bebida. Deve ser de uma destilaria das Minas, comento, entre um gole e outro. Ele concorda, entre um arroto e outro. Penso com desagrado como a sociedade curitibana está corrompida. Um homem desses jamais entraria nas melhores casas da cidade. Ou no melhor clube. Jamais.
Eu prefiro, após a refeição, tomar um cálice de vinho do Porto, mas em sua falta nada melhor do que uma linfa da terra, e melhor ainda se devidamente harmonizada com gasosa de framboesa. É um belo final de refeição.
Retornando, passo em frente ao restaurante que me brindou com o melhor hambúrguer do mundo. Um casal passa por mim, e um mal-estar súbito me fez verter toda a refeição e a bebida. Um cheiro nauseabundo tomou conta da calçada. Lamentável. Isso me daria uma bola preta na melhor sociedade curitibana. Mas graças a Deus nenhum dos meus pares presenciou a gafe.
Bon Appètit!
O Primo Apa é um dos expoentes da sociedade curitibana, e aprendeu a harmonizar comidas e bebidas quando viveu em Paris, no final do século XIX. Belos tempos, aqueles. Ele prometeu retornar à cidade para a cobertura dos Jogos Olímpicos. Promete nadar no Rio Sena, junto com sua amiga Anne Hidalgo, prefeita de Paris. Anne havia prometido nadar no rio. Despoluído o Rio Sena, ela cumpriu a promessa. Espera-se que o prefeito Rafael a convide para nadar no Rio Belém, o que acontecerá nas Olímpiadas de 2224.
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