Rio Belém revitalizado pode ser o nosso Cheonggyecheon.
Obra de Alfredo Andersen - Passeio Público de Curitiba
Nosso colega Manuel Rosa de Almeida escreveu aqui, na semana passada, sobre as suas lembranças do Rio Belém, que percorrem a infância e vão até a vida adulta. Na adolescência, estudante no Colégio Medianeira, o articulista lembra de seus tempos de escoteiro, que suponho tenha sido no Grupo Escoteiro Medianeira (o maior do Brasil). Isso me fez lembrar um folheto que chegou às minhas mãos, hoje perdido entre os meus poucos livros, em que, na época da criação do colégio, os padres, jesuítas, se propunham a usar o Rio Belém para prática de canoagem, como atividade física dos futuros alunos. Uma ótima idéia que se perdeu com a transformação do rio em canal de esgoto. Como o Colégio foi fundado em 1957, podemos dar de barato que o rio, no início dos anos 50, ainda tinha suas águas límpidas e adequadas aos esportes aquáticos. Isso combina com a lembrança que eu trouxe, em outro artigo, em que um antigo funcionário da Casa Civil, já trabalhando no Palácio Iguaçu, gastava suas horas de almoço pescando lambaris no rio (O Palácio Iguaçu foi inaugurado em 1954).
Vejo que o alcaide fez um belo trabalho de revitalização do Passeio Público. Inaugurou-o na véspera do Natal, com um parquinho de diversões à moda antiga, e, passando por lá, a caminho do trabalho, me divertia vendo famílias inteiras se dirigindo ao Passeio; sucesso absoluto.
Sucesso maior seria se seus lagos voltassem a ser alimentados por um Rio Belém recuperado, como eram na origem e as águas prosseguissem a céu aberto até o Rio Iguaçu. Os coreanos fizeram isso com o Rio Cheonggyecheon, em Seul, com um resultado maravilhoso. Inicialmente enfrentando resistência dos mais conservadores, hoje tornou-se uma unanimidade a favor. Lógico, era um esgoto a céu aberto, cercado por favelas. Gente do mundo inteiro vai até Seul para ver os resultados. Claro que não se imagina um retorno ao status quo ante, quando a região era uma autêntica Sapolândia, e provavelmente um perigosíssimo antro de pernilongos e outros insetos assassinos. Alfredo Andersen, em seu tempo, retratou o Passeio Público em uma de suas obras, quando ainda era uma extensão da cidadezinha que Curitiba foi. O pintor João Ghelfi, na década de 1910, também retratou o Passeio Público. Pesquise na Internet e fique de queixo caído.
Nós somos demasiado urbanos para ter aqueles bucólicos lagos e rio por inteiro, como já foi o Rio Belém. Em nossa vida tecnológica, a natureza passou a ser uma imagem, de preferência expurgada das inconveniências que a acompanham: sapos, rãs, pernilongos, borrachudos, lama nos dias chuvosos, poeira nos dias secos. Nossa obsessão sanitária repele tais inconveniências. Queremos assepsia, limpeza, uniformidade climática. Entretanto, a sabedoria dos antigos, que drenou a região, criou os lagos no Passeio e com isso regularizou a vazão do rio nos períodos chuvosos, não é de se ignorar. A cidade não esqueceu esta lição, e aí estão os parques que se criaram justamente para regularizar o fluxo dos rios: Barigüi, Tanguá, Tingüi e tantos outros, em uma atividade que percorreu gerações de prefeitos da cidade. Esse exemplo, que começou em 1886 (data de inauguração do Passeio Público), se contrapõe à desgraça de outras cidades, como São Paulo, que a cada chuvarada vê os Rios Tietê e Pinheiros paralisarem a cidade. Talvez seja hora de avançarmos no trabalho e devolver às futuras gerações aquilo que o Rio Belém significou para as gerações que nos precederam.
Não deixe de se embasbacar com as imagens do Rio Cheonggyecheon recuperado, que você encontra facilmente no Google. O cárcere pode bem se transformar em lar, o esgoto em água, e a água em vinho. As inspiradoras imagens do Passeio Público de Andersen e Ghelfi você encontra no Google.
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