A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Seguimos com um poeta querido e próximo a todos nós: Mário Quintana. Para hoje um poema que é um desabafo: A Rua dos Cataventos.
Imagem de Richard Mcall por Pixabay
A RUA DOS CATAVENTOS
Da vez primeira em que me assassinaram, Perdi um jeito de sorrir que eu tinha. Depois, a cada vez que me mataram, Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meus cadáveres eu sou O mais desnudo, o que não tem mais nada. Arde um toco de Vela amarelada, Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada! Pois dessa mão avaramente adunca Não haverão de arrancar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai! Que a luz trêmula e triste como um ai, A luz de um morto não se apaga nunca!
Mário Quintana ( 1906/1994 ), poeta gaúcho muito querido pela simplicidade e sensibilidade. A Rua dos Cataventos é o primeiro livro de poesias do poeta, publicado em 1940. Quintana era um solitário que morava em hotéis de Porto Alegre. Três vezes a Academia Brasileira de Letras negou-lhe a indicação para uma cadeira. Uma injustiça grave numa instituição que abriga muita gente menos talentosa.
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