A pandemia, pelo que carrega de incerteza e de coerção, está forçando algumas reflexões desconfortáveis.
Imagem deDebaudh MajeeporPixabay
O coronavírus está sendo, realmente, um duro teste para todos. Uma prova para a capacidade de organização/colaboração/comando da sociedade como um todo, uma prova para cada ser humano enquanto pessoa. Da capacidade de organização e enfrentamento da sociedade e do governo perante a crise, temos falado muito aqui. Hoje cabe refletir sobre as cobranças que recaem sobre os ombros de cada um.
O ser humano sempre foi, nas prateleiras de Deus, um produto variado. Nesta crise, temos de tudo: daquele que duvida da doença ao que está aterrorizado por ela; aquele que está disposto ao trabalho voluntário e ao sacrifício pessoal ao que só está preocupado com seu próprio negócio; os que estão esperançosos e aqueles que estão vendo o apocalipse.
Primeiro de tudo, há o medo. O medo, este inimigo insidioso, sempre cresce no desconhecido. Onde há trevas, ignorância, desconhecimento, há medo. O coronavírus não é desconhecido da comunidade científica, mas seu comportamento atual sim. O grau de propagação e a virulência com que acomete algumas pessoas surpreendeu os especialistas. Esta incerteza afeta o homem comum, embora, como sempre, vemos todos os tons. Alguns não estão nem aí, outro estão apavorados.
Em seguida vem a necessidade do recolhimento. O isolamento social ainda não compulsório, mas severamente recomendado. E então as pessoas estão em suas casas durante um período inimaginável de tempo, convivendo com seus familiares como há muito não faziam. Para muitos, a experiência não está sendo saudável…
A China apontou para um número recorde de divórcios após o período de isolamento social; o Brasil viu explodirem as estatísticas de violência doméstica. Pensando cruamente, o que isso indica? Que não somos mais capazes de conviver em família? Que a família moderna só funciona se nos relacionamos rapidamente, episodicamente e sem profundidade? Neste caso, não seria mais honesto morar numa pensão? Qual o propósito de morar em família se quando a convivência maior se oportuniza torna-se um fardo?
O que observamos no isolamento social é apenas espelho dos nossos fracassos. Nossa incapacidade de dialogar, nossa escravidão ao celular e às mídias sociais, nosso desinteresse e egoísmo. Se considerássemos cada residência um universo, o isolamento social já era prática corriqueira na maior parte das famílias. Cada um isolado em seu quarto ou em seu headphone...
Claro, a violência doméstica transcende este problema. Para entender este triste fenômeno seria necessário escavar até as raízes da miséria social, do machismo, da falta de educação e assim por diante. Mas a constatação de que as famílias não sabem conviver mais, de que convivência não é fonte de prazer, mas de conflito, deixa-me triste. Talvez estejamos mesmo vendo a mudança de um paradigma - um processo lento que se desenvolve há décadas e seguirá décadas além - o fim da família. Que outro modelo seguirá, não faço ideia. Talvez cada sujeito vivendo sozinho. Elevar a solidão ao patamar dos desejos. Afinal, somos todos náufragos a sobreviver numa ilha deserta.
Comments