Manual de sobrevivência na selva da cidade. Curitiba não é mais aquela.
Imagem de curitibaspace,com.br
O senhorzinho sai do supermercado na Praça Osório, passos decididos, em direção à Alameda Cabral. Boné enterrado na cabeça, blusa de nylon um pouco desgastada pelo uso (azul escuro com uma horrenda faixa vermelha nas mangas), tênis que não é da Nike, calça de brim, um cachecol cobrindo a boca e o nariz. Sem parar, os olhos atentos aos movimentos da rua, diminui os passos em frente à pastelaria. Talvez comer um pastel? Mas a caminhada prossegue. Ao cruzar com o senhorinho, surpresa: é uma senhorinha. Reconheço-a, de outros carnavais (literalmente).
Aquela mulher graciosa, com longos cabelos ruivos (pintados), que conheci cuidadosamente maquiada, sedutora e coquete, femininamente vaidosa (antes do feminismo, antes da igualdade entre os sexos), viciada em festas e danças, frequentava o supermercado vestida de homem, o que deveria deixá-la doente, vaidosa como é. Lola. Cumprimentei-a e paramos para conversar, na esquina, em frente ao Bar Stuart.
Perspicaz, ela percebe minha estranheza com sua aparência, e, com a loquacidade dos bem-resolvidos na vida, explica:
“Estratégia de sobrevivência, my dear. Uniforme de combate. Isso aqui não é New York, onde ando de sapatos Loubotin na Fifith, sem me preocupar em correr de assaltantes.”
Depois que perdeu todo o dinheiro herdado do falecido marido – gasto em intermináveis e caras viagens – Lola se mudou para um apartamento na Alameda Cabral, onde vive com seus gatos e lembranças recolhidas na vida loca. Como não é do tipo saudosista, frequenta clubes de dança, um grupo de canto (ela adora cantar) que se apresenta em hospitais e asilos de velhinhos, e faz suas compras no supermercado da Osório.
O cachecol, levemente perfumado, ela explica, é para suportar o mau cheiro das calçadas. Os longos cabelos ruivos são presos no boné do 49ers San Francisco (uma doce lembrança, e pisca os olhos azuis) para disfarçar a frágil feminilidade.
“Mulher é alvo preferencial. Não dá para sair com correntinhas, bolsas, celulares e salto alto. Achei mais prático me disfarçar de homem. Todo mundo faz isso hoje em dia.”
“Chato dizer isso, my dear, mas não é mais como no tempo do meu amigo Osvaldinho, que saia de casa e pegava rapazes na Praça Osório para fazer um blow job. Hoje ele seria depenado pelos assaltantes.”
(Ela era amiga do Osvaldinho? Quantos anos ela tem? Quantas vidas ela viveu? O segredo mais bem guardado do universo.)
Antes que a melancolia tomasse conta da conversa, começamos a falar mal do prefeito e do governador. No bom sentido, claro. Nós amamos o prefeito. E a Lola adora o Júnior. Mas tem coisa melhor do que falar mal de político? Eles andam passando muito tempo na chácara e não têm tempo para sentir os maus odores das ruas da cidade? Faz tempo que não vejo o pai do Júnior tomando chope no Stuart. Deve ser isso. Afinal, eles amam a cidade. Ninguém mais curitibano e amante de Curitiba que o prefeito. E quem ama cuida, como ele bem sabe.
Combinamos um almoço e nos despedimos. Observei-a enquanto ela se dirigia, ágil como uma bailarina, em direção ao seu apartamento. Boa sorte, amiga.
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