No Alto São Francisco, no alto da arquibancada, os apaixonados ainda trocam juras de amor eterno.
Imagem de Hatsuo Fukuda.
Na pracinha dos ciclistas, uma pequena multidão se acotovela, preparando-se para um passeio. Passo pelos animados ciclistas e subo a Rua São Francisco. É uma velha conhecida e amiga, desde que lá morei, anos atrás. Sempre que passo por lá me arrependo da mudança. A antiga Confeitaria Blumenau, quase na esquina da Presidente Faria, fechou as portas, anos atrás. Lá se foi a coalhada com mel e o sanduíche de pão de centeio com linguiça Blumenau. Resiste, ainda, bravamente, o Restaurante São Francisco, com suas feijoadas das quartas e sábados, e o cocido madrileño das sextas-feiras. Resiste também a Papelaria Hauer, na esquina com a Barão de Serro Azul, beneficiada talvez pelo olhar de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais que o prefeito Rafael colocou, de olho no Centro Cívico (até agora em vão). No mais, o antigo comércio sonolento e decadente – inclusive as senhoras que batiam ponto na esquina com a Riachuelo – deu lugar a bares, restaurantes e cafés que povoam toda a rua, da Presidente Faria até a Sociedade Garibaldi. São outros ares, mais juvenis e mais boêmios.
Em frente ao Restaurante São Francisco, a casa onde funcionava o ateliê de Ricardo Tod transformou-se em um agradável beco de bares e cafés. Na porta, uma jovem convida os fregueses a conhecer o beco. Dentro, vejo pela janela envidraçada o estúdio do artista. Lá ele concebeu e criou o cavalo que nos dá boas-vindas na Praça. Às cinco da tarde o dono do São Francisco fecha as portas, depois da labuta pós-almoço, a rua ainda tranquila, naquele trecho.
Atravessando a Barão de Serro Azul, a rua está fervilhando, com a jovem freguesia nas mesas da calçada, mas o Largo da Ordem ainda está suficientemente tranquilo para que os pombos tomem a água que era reservada aos cavalos que ali chegavam, puxando carroças dos colonos vindos do Abranches, carregados de ovos, galinhas vivas, frutas e verduras. Eles desciam a Rua Nilo Peçanha, parando em locais estratégicos, onde a freguesia os aguardava, num tempo sem geladeira ou supermercados.
Imagens de Hatsuo Fukuda.
No Caiçara, um grupo de músicos toca e bebe, mais toca que bebe, compenetrado. O clássico violão, flauta, cavaquinho. Um pandeiro dá o ritmo. Em outra mesa, em outro bar, um baseado passa de mão em mão. O clima ajuda, o dia é um sábado de junho, o final de tarde é ensolarado e agradável. Uma conspiração dos deuses báquicos para proporcionar um gostinho de felicidade aos curitibanos.
O cavalo babão, que eu adoro, me recebe, borbulhante. Que felicidade ter um prefeito poeta, que o concebe e escreve que hoje “só os cavalos de sonho vencem as barreiras da modernidade para, afinal, matar sua sede no velho bebedouro”. É verdade, véio. Eu sou este cavalo babão, e vou matar minha sede.
Subo as arquibancadas do anfiteatro e me deparo com alguns cadeados que apaixonados lá deixaram, como símbolo de amor. Como não temos Pont des Arts, e não estamos em Paris, o alto da arquibancada do Alto São Francisco serve. Que seja eterno enquanto dure, penso. Fico comovido com uma fita já esgarçada, solitária, destacando-se no céu azul. Talvez eu coloque também minha fita esgarçada.
Imagens de Hatsuo Fukuda.
Curitiba, onde o céu azul é mais azul. Aos sábados à tarde.
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