Um poema de Manuel Rosa de Almeida sobre a barbaridade que ocorre em Gaza.
Imagem de BBC.
GAZA
O que mais me dá medo
É ver o medo nos olhos de meus pais.
Najila não virá mais brincar,
Minha mãe não disse porquê.
Talvez ela não brinque mais
Porque resolveu partir mais cedo.
Andando pelos escombros do segundo andar
Encontrei minha boneca Iasmin.
Tinha perdido um braço
E tinha um olhar baço
Como de outras crianças que vi.
Levem-me daqui!
Levem-me daqui!
Levem-me para Lhasa,
Para qualquer lugar.
Levem-me para uma casa
Que possa ser meu lar.
Levem-me para uma cova rasa
Onde possa descansar.
Tudo, tudo menos Gaza.
Não suporto mais que me chamem
As crianças chorando de fome.
Que tipo de mãe sou eu
Que não alimenta seus filhos?
Na praça desolada ouvi do Imame
Que Alá é bom e conhece meu nome.
Pode ser, mas penso que esqueceu
De vez desta terra desgraçada.
De noite os estrondos e o brilho
Das explosões. De dia a mesma busca desesperada...
Levem-me daqui!
Levem-me daqui!
Levem-me para Lhasa,
Para qualquer lugar.
Levem-me para uma casa
Que possa ser meu lar.
Levem-me para uma cova rasa
Onde possa descansar.
Tudo, tudo menos Gaza.
Que tipo de homem sou eu
Se não protegi minha mulher?
Que tipo de pai sou eu
Se não salvei um filho sequer?
Os escombros de minha casa
São a sua sepultura.
Não resgatei Tamires, nem Jalila, nem Riad.
Descansam sob toneladas de caliça e concreto.
Para mim, estou certo, não há mais cura.
O anjo da morte já abriu suas asas...
E penso, afinal, que há de
Impedir meu destino mais reto?
Deixem-me aqui!
Deixem-me aqui!
Deixem-me em Gaza.
Já não sou marido, nem pai,
Já não tenho família, nem casa.
O anjo da morte abriu suas asas
E as firmou nas minhas costas.
E agora, Davi, se queres, aposta!
Levarei a morte a leste do Sinai!
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