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BOATE AZUL REVISITADA

Atualizado: 17 de set.


O amor e o desconsolo nunca saem de moda.


Uma das grandes gravações de Boate Azul é a de Mato Grosso e Mathias.
Uma das grandes gravações de Boate Azul é a de Mato Grosso e Mathias.

Imagem de Facebook.


Um amigo me manda um vídeo por WhatsApp feito em um funeral. Um bando canta Boate Azul, entusiasmado, na última despedida ao defunto. A maioria homens, sorridentes, e à vontade, alguns dançando. Dou risada, me dando conta que naquela irmandade não se vê a viúva. Alguém comenta que a viúva há muitos anos se divorciou, desgostosa da vida boêmia do marido.


Uma pesquisa rápida entre conhecidas e amigas me mostra o óbvio: a maioria delas conhece a canção de ouvir falar, e nenhuma sabe a letra. A canção está no imaginário masculino, majoritariamente. (Mas as fãs de Michel Teló conhecem a música, como se pode observar em seus shows.) Afinal, é uma canção feita sobre frequentadores de prostíbulos e para frequentadores de prostíbulos, em um tempo em que o sexo pago era relegado a guetos afastados da cidade, onde o pudor oficial não seria perturbado.


Hoje, prostitutas passaram a ser chamadas de trabalhadoras do sexo, e vendem seus serviços pela internet, a Boate Azul exala um doce anacronismo. Saudade menos da zona, que a maioria das pessoas não frequentou, do que de um tempo onde a vida era mais simples.


Lupicínio Rodrigues é um dos que retratou a mentalidade da época. Algumas de suas canções sobre o mundo de cabarés tornaram-se clássicas. Em “Quem há de dizer”, Lupicínio, com a fleuma dos que sabem como é a vida, constata:


“Ela nasceu com o destino da Lua/Pra todos que andam na rua/Não vai viver só para mim”


JOÃO GILBERTO CANTANDO QUEM HÁ DE DIZER, DE LUPICINIO RODRIGUES, EM RARO REGISTRO.

Prostituta é prostituta, não é para casar.


A vida era mais simples, não quer dizer que era melhor.


Quem retratou o tema com sucesso foi Waldick Soriano. Ele diz, sobre a Dama de Vermelho:


WALDICK SORIANO ATRAIA MULTIDÕES E VENDIA MILHÕES DE DISCOS. MAS OS BEM PENSANTES O REJEITAVAM. FALAR DE AMOR É BREGA E RIDÍCULO.

Garçom amigo/Apague a luz da minha mesa/Eu não quero que ela note/Em mim tanta tristeza/Traga mais uma garrafa/Hoje eu vou me embriagar/Quero dormir para não ver/Outro homem em meu lugar”



A dupla Leonardo e Eduardo Costa, no show Cabaré, em vez de outro homem, canta “Oito homens em meu lugar”. São homens vividos (corações empedernidos?) e fazem troça do mal de amor. A vida continua, afinal.


Outro que gravou um disco com canções de cabaré foi Reginaldo Rossi (óbvio). Em seu cabaré, além de Boate Azul, que abre o espetáculo, estão a Dama de Vermelho e Na Hora do Adeus, este, outro clássico do gênero.


REGINALDO ROSSI É OUTRO AMALDIÇOADO POR CANTAR A VIDA COMO ELA É, ALGO QUE OS PRECONCEITUOSOS NÃO ADMITEM.


No Brasil do preconceito social e cultural, Rossi e Soriano foram relegados ao gueto dos cantores denominados “bregas”. Vendiam milhões de discos, faziam um sucesso extraordinário, mas não entravam nas casas e ouvidos dos bem pensantes. Capa da revista Veja ou dos Cadernos de Cultura da Folha e do Estadão, nem pensar. Cantar canções que atingiam o coração dos ouvintes, em linguagem acessível e sobre temas que os ouvintes gostavam, era um pecado contra o bom gosto. A dor de amor é brega. Ficar bêbado de paixão é ridículo.


Um roqueiro que aderiu à grande corrente popular e nunca se arrependeu foi Odair José. Pudera, vendeu milhões de discos com canções que apelavam à vida das pessoas, como Pare de tomar a pílula, e Vou tirar você deste lugar. Nesta, mostrando como o Brasil estava mudando, desde os anos de boemia de Lupicínio Rodrigues, Odair José dizia:


ODAIR JOSÉ ENCONTRA UM DOS MAIORES ROQUEIROS DO BRASIL, ARNALDO ANTUNES, E JUNTOS CANTAM VOU TIRAR VOCÊ DESTE LUGAR.

Eu vou tirar você deste lugar/Eu vou levar você comigo/E não me interessa/O que os outros vão pensar



A canção de Lupicínio foi gravada em 1948. Vinte e quatro anos depois, um novo mundo surgia, na voz de um ex-roqueiro transformado em lenda do show business. O bom gosto das elites, que desprezava o cantar grosseiro do povo, começava a enfrentar um dilúvio. A MPB dos bem pensantes se transformaria em folclore. Seus deuses envelheceriam e seriam esquecidos pelas novas gerações.


Hatsuo Fukuda acha que o amor e a paixão não são bregas.


Hatsuo Fukuda acha que o amor e a paixão não são bregas.

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