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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

DESESPERO E OMISSÃO

O Afeganistão repete o Vietnã…




Imagem de WikiImages por Pixabay



Poucas imagens são mais dolorosas do que a visão de uma massa de homens desesperados perseguindo um grande avião em movimento, correndo risco de atropelamento, buscando alucinadamente escalar a nave e viajar agarrados à fuselagem, numa tentativa inútil de fugir ao terror que lentamente os cerca e esmaga. O que pode levar centenas de homens a este gesto tresloucado senão a certeza de que o martírio os aguarda?


As cenas transmitidas ao mundo a partir do aeroporto de Cabul são um libelo contra a intolerância. Desnudam, uma vez mais, o dano causado por regimes totalitários, ditaduras que são ainda piores quando pretensamente inspiradas por sentimentos religiosos. Que dizer de homens caindo do avião a centenas de metros do solo? Cabul, de forma triste e trágica, repete Saigon em 1975.


Jamais apoiamos a postura norte-americana de juízes do mundo. Sempre soubemos que a fama de “xerife” da humanidade é regida apenas por seus próprios interesses. Suas intervenções não têm em vista a defesa de democracias ou de direitos humanos, mas tão somente as ambições de Tio Sam. Assim, era razoável e correto que os norte-americanos se retirassem do Afeganistão. Mas não desta forma. A retirada deveria ser anunciada com meses de antecedência, permitindo aos cidadãos afegãos a opção de abandonar seu país. Especialmente para aqueles que cooperaram com a ocupação ou para os membros do governo, não seria exatamente uma opção, mas uma imposição de sobrevivência.


Não é justo culpar unicamente Biden pelo drama humano que presenciamos e pela tragédia que sobrevirá ao povo afegão. Ele é o quarto Presidente americano que tomou parte na vintenária ocupação daquele país, motivados pela repressão ao terrorismo ou, ao menos, assim vendendo a ocupação. Mas sim, ele tem culpa pela forma precipitada e desastrosa com que se deu a evacuação. No mínimo, ele precisa demitir todo seu pessoal de inteligência, visto que demonstraram a mais abissal incompetência. Sua avaliação do poderio e capacidade de locomoção do Talibã mostrou uma ignorância digna de imediata demissão. Biden fez um pronunciamento de justificação em que expressou o típico pensamento do americano médio: a ocupação não era mais do nosso interesse…


O povo afegão não é do interesse americano. O destino das mulheres e das crianças afegãs também não. Se meninas não poderão mais estudar, se mulheres serão rifadas para servir aos soldados do Talibã, nada disso é do interesse americano. Mas deveria ser do interesse da humanidade. Esta tragédia remete novamente à necessidade de um fortalecimento de organismos internacionais como a ONU - Organização das Nações Unidas. A ONU sempre agiu tentando mitigar efeitos nocivos de maus governos e de conflitos. Cumpre, assim, um papel importante no acolhimento a refugiados, no atendimento às vítimas de grandes catástrofes e epidemias. Mas como agente internacional capaz de prevenir conflitos e tragédias ela é absolutamente ineficiente.


Isso se dá, certamente, porque não há alinhamento das grandes potências. EUA, China, Rússia, nações europeias, cada um tem seu próprio modo de ver o mundo. Só há similaridade na perspectiva com que apreciam o mundo: seu próprio interesse. Desta forma, seja por vetos no Conselho de Segurança, seja por falta de apoio militar ou de recursos, a ONU não tem condições de tomar medidas capazes de prevenir estas tragédias humanitárias.


Poderíamos discutir longamente sobre quando e em que circunstâncias seria legítimo interferir nos problemas de um país soberano. Até que ponto se deve respeitar a cultura, a religião, a maneira como são tratadas as pessoas em países independentes? Poderíamos polemizar sobre direitos humanos acerca dos quais a comunidade internacional não deveria transigir. Mas ninguém poderá olhar para imagens como as do aeroporto de Cabul e sua massa de desesperados achando lícito simplesmente cruzar os braços.


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