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Valéria Prochmann

DETURPAÇÃO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS

Engodo – farsa – vulgaridade – demagogia – cruzadas – pacotes de bondades – tarifaço – opressão mortífera



Valéria Prochmann

Imagem de Sarah Richter por Pixabay


Na democracia, períodos eleitorais deveriam ser momentos privilegiados para análise da situação política, econômica, social e cultural. Deveriam ser oportunidades para que as diversas formas de pensamento expusessem seus ideários, suas intenções e propostas para o progresso. Deveriam propiciar ocasiões para os políticos praticarem a escuta ativa e receberem as demandas da sociedade organizada. Críticas, polêmicas, embates e debates calorosos sim, com respeito entre candidatos e ao eleitorado.

Uma campanha eleitoral não deixa de ser uma espécie de “licitação” na qual os cidadãos selecionam e contratam aqueles que lhes parecem os melhores para tocarem a gestão pública. Competição e comparações fazem parte do processo de modo que cada competidor(a) possa mostrar suas qualidades pessoais e profissionais, seu histórico, sua visão de futuro, lembrando o papel dos partidos políticos enquanto representantes de “partes” da sociedade.


No entanto, no Brasil, lamentavelmente, a realidade é bem diferente, a começar pela farra partidária cujas próprias nomenclaturas já são verdadeiros engodos. Assim temos partido “liberal” com políticos reacionários, “republicano” com monarquistas, “progressista” com conservadores, “socialista” com capitalistas, “verde” com carnívoros, “trabalhista” com patrões, “democrático” com totalitários, “popular” com elitistas, etc. A imensa quantidade de siglas é uma ofensa ao bom senso.

Partidos políticos viraram cartórios eleitorais comandados por caciques, sem vitalidade intelectual, mas muito bem recheados de fundos partidários. As alianças costumam ser esdrúxulas. Programas de governo não passam de meras peças de marketing, elaboradas por publicitários, geralmente sem muita consistência, apenas para constarem.

Na falta de partidos de verdade, grassa o personalismo. O horário eleitoral já foi pior, mas segue farsesco, pois o político é apresentado ao público como se fosse um produto. Há lobos vestindo peles de cordeiros. Até mesmo os debates perderam seu brilho, seja pela ausência dos favoritos, seja pela superficialidade ou ainda pelas regras que impedem melhor aproveitamento. Sem falar na baixaria dos insultos, das ofensas e mentiras descaradas.

Ao longo da campanha, vêm à tona depoimentos devastadores de ex-cônjuges, ex-amantes, ex-amigos, ex-porteiros, ex-mordomos, ex-motoristas, ex-domésticas, ex-sócios, ex-asseclas, ex-comparsas... quando não o velho fogo amigo dos descontentes, ressentidos e ressabiados.

O WhatsApp deveria criar um recurso chamado “licença temporária” para que pudéssemos nos afastar do grupo por tempo determinado, voltando depois da eleição. As finalidades dos grupos são desvirtuadas por provocações, quando não fake news.


As estratégias discursivas são um espetáculo de vulgaridade. Exaltam a virilidade, a bebida alcoólica, o carnivorismo, a desordem e a violência política como se virtudes fossem. Na falta de conteúdo, sobra o papo furado. Assim temos a apologia ao churrasquinho, à cervejinha, ao “imbrochável”, à embuchada, a tocar fogo na rua, a fuzilar adversários, etc.


No que concerne às mulheres, que constituem mais da metade do eleitorado, o desconhecimento é uma lástima. Vêm os falsos dilemas como se o voto fosse uma escolha entre a Lei Maria da Penha e uma pistola, além de frases ridículas, que soam saídas do teatro do absurdo, tais como comparações sobre tipos físicos e até o estilo de depilação, como se isso tivesse alguma relevância política. Se quer bater na mulher, vai bater em outro lugar, não na sua casa. O companheiro deve ajudar no serviço da mulher na cozinha, quando ela trabalha.


E que dizer do show de gafes? Dos procedimentos estéticos exagerados? Da demagogia explícita, falando sobre assuntos que sequer dizem respeito aos cargos aos quais eles concorrem? Da transformação da eleição democrática em cruzada?

Muitos políticos são contumazes perturbadores do trabalho e do sossego alheio, promotores de buzinaços, panelaços, vuvuzelaços, invadindo nossos lares e escritórios com sinais acústicos que ferem nossos ouvidos. A disposição narcísica é tamanha que eles sequer se dão conta de estarem violando o direito alheio de não escutar, pois consideram normal a violência sonora, como se fôssemos obrigados a suportá-los. Perturbadores do sossego (contraventores penais) nunca têm meu voto.

Ao arrepio das leis, quem está no poder costuma fazer benesses com recursos públicos. Lança os famosos “pacotes de bondades” cujo ônus será pago na sequência por toda a sociedade. É o “vale tudo” para manter o poder a qualquer custo. Basta virar o ano e lá vem o TARIFAÇO: aumentos dos impostos, das tarifas do transporte coletivo e da energia elétrica, dos salários dos políticos, das taxas, das multas, dos combustíveis, do gás, dos planos de saúde, dos medicamentos, etc... tudo sobe, com impacto no custo de vida. Além do uso descarado da máquina pública, cabe à sociedade arcar com o financiamento direto e indireto das campanhas, via fundo eleitoral, os altos salários dos que já ocupam cargos e as licenças remuneradas de servidores.

A face mais grave da deturpação eleitoral é a violência. Cidadãos humilhando e até matando seus semelhantes por causa de opiniões políticas divergentes! Em vez da convivência entre os contrários, prevalece a opressão. É o inverso da democracia. É a falência do pluralismo e da civilidade. É a lógica perversa e mortífera do total aniquilamento do outro como se a eleição fosse uma guerra.

Vidas perdidas... amizades destruídas... famílias devastadas...


Por essas e por outras, outrora motivos de graça, prazer e alegria, as campanhas eleitorais vêm sendo transformadas em desassossego e martírio. Estamos exauridos, tristes, angustiados, tensos, preocupados, decepcionados, desesperados, inseguros.

Quando vamos começar a dar valor a candidatos e candidatas que levam a política a sério, estudam a conjuntura, se preparam para a função pública, ouvem os cidadãos, dialogam, propõem melhorias e inovações, cumprem o que prometem, trabalham com afinco, dão resultados, aceitam críticas, fazem autocrítica, guardam coerência, prestam contas, admitem falhas, respeitam os limites da privacidade e da intimidade das pessoas, o trabalho e o sossego alheios?

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Valéria Prochmann é jornalista especializada em marketing e propaganda.

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