Para haver equilíbrio, cada poder tem que usar suas armas com comedimento.
Imagem deAndrea StögerporPixabayay
O pobre Montesquieu provavelmente jamais imaginou que sua ideia pudesse causar tantos problemas. Afinal, como todas ideias geniais, era simples: um poder julga os conflitos, outro legisla e fiscaliza, outro executa. Ah, sim, tudo dentro de um sistema de freios e contrapesos, de modo que nenhum poder esteja acima dos outros.
No curso da história, contudo, as fragilidades do sistema foram desnudadas. Populistas que chegaram ao poder com grande base parlamentar, usaram esta mesma base para alterar as regras do jogo; pretendentes a ditador, que viam na Suprema Corte obstáculos ao seu livre governar, aparelharam a corte, por vezes por meios legais - aumentando o número de sua composição e indicando juízes servis para compô-la. Na Venezuela de Maduro foi assim. E mesmo com maioria nas câmaras legislativas, a oposição nada podia fazer, pois todas suas iniciativas eram barradas pela Suprema Corte como inconstitucionais.
Como dissemos, cada poder tem suas armas, que no Brasil seriam resumidamente estas: o Executivo tem as Medidas Provisórias, tem o poder de distribuir os recursos de emendas parlamentares ao orçamento, tem o real poder financeiro e a prerrogativa da indicação de cargos; o Legislativo possui regimes de obstrução parlamentar, o poder de vetar algumas indicações e o impeachment; o Judiciário - aqui pensando apenas na mais alta corte - possui o poder de dar a interpretação final à Constituição da República.
A realidade brasileira de hoje é problemática porque temos um Presidente com clara tendência autoritária, sem representação parlamentar. Um Presidente sem partido, o que, por si só, já é uma excrescência. Para piorar o quadro, o Presidente ameaça constantemente demolir a ordem constituída e afirma contar com o respaldo das forças armadas. As forças armadas, por sua vez, assumem postura de esfinge: estão lá, imóveis como pedra, mas todos sabemos que podem devorar a nação numa bocada.
Nesta situação, comedimento é bom para todos. O Legislativo, a bem da verdade, tem sido comedido. Rodrigo Maia percebe, provavelmente, que um impeachment poderia colocar a nação em rota de conflito civil. Ele tem usado a pandemia para justificar seu comedimento, mas não sabemos até quando a paciência dura. Cá entre nós: todos bons brasileiros ficariam felizes com o impeachment de Bolsonaro. Motivos há de sobra. Collor e Dilma caíram por muito menos. Mas a ponderação contrapõe dizendo que é muito melhor que Bolsonaro saia pela força das urnas. O problema deste plano é suportá-lo por dois anos e meio…
Já o Judiciário não tem sido de todo comedido, embora se compreenda alguma reação diante das afrontas que vem sofrendo. O inquérito das fake news é demonstração de falta de comedimento. Utilizou-se do regimento interno do STF para justificar uma situação em que a Suprema Corte pode investigar, acusar e condenar. Do ponto de vista teórico, um absurdo e uma violência. Bem verdade que, posteriormente, as manifestação da Procuradoria Geral da República meio que legitimaram o procedimento. O que há de bom nisso tudo é que a conjuntura acabou por unir o Supremo Tribunal Federal, antes famoso pela dissensão interna, visualizada em julgamentos 6X5. Agora os Ministros estão unidos e, felizmente, em defesa da democracia.
Quanto ao Executivo… bem… o Executivo federal hoje é Jair Bolsonaro. Esperar comedimento do seu Jair é correr para miragem em deserto. O homem é o que é. A ditadura está entranhada na sua alma. Agora, acossado por muitas acusações - envolvimento com milícias, a morte de Marielle, o processo das fake news e o caso Queiroz - está que nem fera acuada. No momento está se defendendo usando tudo aquilo que, na campanha, prometeu não fazer: distribuindo cargos ao centrão e conseguindo foro privilegiado para o filhinho 01 ( por sinal, vergonhosa a decisão do TJ/RJ, claramente contrária a entendimento já consolidado ). É preciso entender: Queiroz é muito mais que o gestor da rachadinha… é o homem que pode desnudar o envolvimento do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. O homem que pode provar que o clã Bolsonaro é uma familícia...
Montesquieu diria, provavelmente, que as ideias são boas. Os homens é que são maus. O governo brasileiro é hoje uma cópia esfarrapada do governo norte-americano. Lá como aqui há um Presidente reacionário, autoritário, que se recusa ao jogo democrático; lá como aqui o Executivo está nas mãos de um negacionista ambicioso, cuja imprudência está causando a morte de milhares de cidadãos nesta pandemia. Lá, porém, as instituições são mais sólidas, há uma democracia de mais de dois séculos e o exército já afirmou que não acompanhará Trump em suas loucuras. Aqui a democracia completou 35 anos apenas, as instituições tentam cumprir seu papel e o exército é uma esfinge silenciosa.
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