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Foto do escritorTião Maniqueu

EM DEFESA DOS POVOS INDÍGENAS

Entenda o que é o marco temporal e porque ele é prejudicial.





Claro, você pode imaginar. Se é uma tese defendida pelo governo Bolsonaro, não pode ser boa para indígenas, para o meio-ambiente, para a cultura ou para a educação. No caso do marco temporal, contudo, você poderia pensar: ora, porque isso é assim tão ruim? Afinal não seria razoável garantir aos povos indígenas apenas as terras já ocupadas no marco temporal, no caso 05/10/88, data da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil.


Para entender a questão é preciso fazer algumas observações. Primeiro: o marco temporal não é uma previsão de lei, é apenas uma tese desenvolvida pela AGU - Advocacia Geral da União, no processo que tratou da demarcação da Terra Indígena Raposo Serra do Sol. A mesma tese está levantada no processo que envolve o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina ( IMA ) - de um lado - e o povo Xokleng e a FUNAI - de outro lado. O IMA pede reintegração de posse. Os Xokleng ocuparam a área porque era sua antigamente, mas seus territórios foram sendo reduzidos ao longo do Século XX. O Supremo Tribunal Federal, dada a importância do caso, reconheceu “repercussão geral” no RE 1.017.365. Isso significa que o caso servirá de baliza para futuros processos. Importantíssimo!


Segundo: A Constituição de 1988 não estabeleceu nenhum marco temporal. Pelo contrário, assim dispôs no art. 231:


Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Nada se fala na Constituição em marco temporal. As pessoas que afirmam ser razoável a tese do marco temporal simplesmente desconsideram toda a violência e as expulsões de suas terras que os povos indígenas sofreram antes de 1988. A ditadura militar, grileiros, garimpos ilegais, fazendeiros, vieram expulsando os povos indígenas de suas terras por todo século XX e mesmo antes. Pense no caso paradigma: o povo Xokleng viu suas terras sendo reduzidas ao longo do Século XX e jamais deixou de lutar contra o esbulho.

O marco temporal é perverso porque desconsidera as lutas anteriores dos povos indígenas. Legitima violências anteriores à CF/88. Evidente, é preciso razoabilidade na apreciação das demarcações. Se levado ao pé da letra, o Brasil inteiro pertenceria aos indígenas, porque ocupavam tradicionalmente todo território nacional. Ninguém está defendendo isso ( que Copacabana seja devolvida ao povo Tupinambá, por exemplo ).

O que se defende é que a partir de estudos antropológicos sérios, assegure-se aos povos indígenas as terras que tradicionalmente ocupavam num horizonte temporal razoável, digamos o Século XX, até porque em eras mais remotas dificilmente se faria qualquer prova antropológica. Mais que isso: o que se defende é assegurar aos povos indígenas o espaço indispensável à sua sobrevivência e à preservação da sua cultura.

Isso é algo que não passa pela cabeça de Bolsonaro, alguém preocupado em favorecer o garimpo ilegal, com a agricultura/pecuária desenvolvida a partir de grilagens, com os interesses de madeireiras. Defender o índio é, necessariamente, defender o meio-ambiente. Os povos indígenas e o meio-ambiente sempre estiveram na mira das armas bolsonaristas. O marco temporal faz parte desta luta vergonhosa. Nada extraordinário para alguém que um dia disse que, se nosso exército fosse tão competente quanto a cavalaria norte-americana, não teríamos mais índios para nos preocupar no Brasil. A frase exata - que desnuda o caráter e o pensamento de Bolsonaro - foi: Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema.


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