top of page
Arthur de Lacerda Neto

Isabel II e Carlos III : prenomes são traduzíveis.

Quais são as regras na tradução dos nomes próprios?


Arthur Virmond de Lacerda Neto



O recente óbito da rainha do Reino Unido e a entronização de seu filho foram noticiadas no Brasil como de “Elizabeth” II e de “Charles” III; em Portugal e na Espanha, como de Isabel II e de Carlos III, isto é, os média portugueses e espanhóis usaram seus idiomas e traduziram ambos prenomes.


Denominam-se endôminos os nomes em sua grafia original, no idioma a que pertence o nomeado. Assim, John Fitzgerald Kennedy (em inglês), Joaquim Maria Machado de Assis (em português), Auguste Comte (em francês).

Chamam-se exônimos os nomes traduzidos ou adaptados para idioma diverso do em que existem originalmente. Assim, Carlos de Gaulle é exônimo de Charles de Gaulle, Líger (em português) é-o de Loire (em francês).

Chamam-se exantropônimos os exônimos concernentes a nomes de pessoas (Miguel, de Michael) e exotopônimos os a de lugares (Parigi, em italiano, é exotopônimo de Paris, em francês; Munique, em português, é-o de München, em alemão).

Formam-se os exotopônimos por adaptação sonora, não necessariamente por tradução. Assim, Versailles deu Versalhes, Helsinky deu Helsínquia, Augsburg deu Augusta.


Prevalecia a praxe de traduzirem-se os prenomes em livros redigidos originalmente em dado idioma ou para ele vertidos, o que incluía brasileiros, já de história ou filosofia, já romances e não só. Ocasionalmente deparava-se-nos algum endômino, por lapso do autor ou tradutor ou por sua decisão, como prática não majoritária. Apenas de raro em raro lia-se, por exemplo, Louis XIV ou Napoléon, o que seria e é puro pedantismo.


Prenomes e nomes de lugares são traduzíveis ou adaptáveis, podem ser traduzidos ou adaptados, é legítimo e correto fazê-lo. Você pode traduzir Charles por Carlos, Friedrich por Frederico, Elizabeth por Isabel (e empregar o adjetivo isabelino); adaptar München como Munique, Loire como Líger.



É recente o critério de que somente se pode e deve-se empregar os prenomes em sua figura endômina, tal como seu titular foi registrado, para (segundo alegam) respeitar-se-lhe a certidão de nascimento, “argumento primário e totalmente desprovido de sentido lingüístico” (como acertadamente ajuíza Marcos de Castro[1]), bem assim por putativo respeito para com a grafia original ou para com a própria pessoa. Estaríamos jungidos a grafar e a pronunciar Friedrich Engels, Charles de Gaulle, rainha Elizabeth, Serguei Dovlatov, Mikhail Gorbachov, e proibidos de redigir e dizer Frederico Engels, Carlos de Gaulle, rainha Isabel, Sérgio Dovlatov, Miguel Gorbachov, bem assim Jesus, Cleópatra, Sêneca, Plutarco, João de Lepanto, Henrique VIII.


Concordo com que se deve redigir e prolatar o nome consoante ao registro da pessoa em seu próprio país: na França, chamaremos Charles, Charles; na Inglaterra, John, John; no Brasil, Isabel, Isabel. Fora dele, podemos traduzi-los de uns idiomas para outros, o que inclui para o português.


O preceito que impõe grafia e pronúncia originais é artificial e inatural, não é necessariamente melhor, não identifica melhor a pessoa. Ao invés: constrange a pronunciar em idioma estrangeiro: em alemão, nomes alemães, em russo, russos, em polaco, polacos, em chinês, chineses. Você sabe pronunciar em alemão, russo, polaco, chinês ? Não; certamente sabe fazê-lo em inglês e possivelmente em francês ou espanhol, porém não se trata de proferirem-se os prenomes apenas do inglês e do francês, porém de todos os idiomas, de idiomas quaisquer, como também do árabe, do egípcio, do sueco, do tupi, das línguas africanas. Por contraponto, sabe proferir e redigir Frederico, Carlos, Augusto, Estevão, Olavo, Nicolau, formas que (para lusófonos) são-nos naturais, fáceis e prontamente compreensíveis.


Consulte livros brasileiros, franceses, italianos, espanhóis, argentinos, portugueses, anteriores a aproximadamente finais dos anos 1990 — trazem os prenomes nos respectivos idiomas e não no tal de original. Em livro publicado em francês lê-se François de Assis e não Francesco de Assis; em livro publicado em espanhol lê-se Pablo de Tarso, em italiano lê-se Giovanni de Áustria.

Tu podes, legitimamente, redigir Donaldo Trump, João Paulo Sartre, Carlos Marx, Manuel Kant, Luís Beethoven, Carlos Marx, Simona de Beauvoir, Miguel Ângelo assim como, com idêntica propriedade, redigimos e pronunciamos Tales de Mileto, Parmênides, Tito Vespasiano, Agostinho de Hipona, Teresa de Ávila, Alexandre III, Nicolau II, Frederico Guilherme da Prússia.


A desinência “on”, em francês, espanhol e inglês, corresponde a “ão” em português: Léon = Leão, Fílon = Filão, Napoléon = Napoleão. Por igual: boson = bosão, neutron = neutrão, proton = protão, eletron = eletrão, graviton = gravitão.


As objeções usuais de que as formas Fílon, bóson, nêutron, próton, elétron e gráviton foram já incorporadas ao léxico e de que as pessoas estranhar-lhes-iam os equivalentes castiços (Filão, bosão, neutrão, protão, eletrão, gravitão) de nada valem: a incorporação de palavra ruim não obsta à introdução de seu equivalente bom; ao revés: deve atuar como estímulo para tal. Uma vez identificado o vocábulo indesejável, força é que ele seja denunciado e em seu lugar se empregue palavra melhor.

As grafias Fílon, Napoleon, bóson, nêutron, próton, elétron correspondem à pronúncia destes vocábulos, em inglês, e não a suas traduções; é como se grafássemos “máiquel”, “tcharles”, “djôn” para Michael, Charles, John.


Filão, Dião, neutrão, protão, eletrão, positrão, bosão constituem formas do “português de Portugal” no sentido de típicas em Portugal porque lá se usa o vernáculo com mais qualidade do que no Brasil. Aquelas são as legítimas grafias da língua portuguesa, idioma comum ao Brasil e a Portugal, ao passo que as formas Fílon, Díon, nêutron, próton, elétron, pósitron, bóson, constituem anglicismos em qualquer país lusófono. Em suma: não é questão de país, porém de vernaculidade.

Nominatas.

Adolfo Hitler e não: Adolf Hitler.

Augusto Comte e não: Auguste Comte.

Carlos Magno e não: Charle Magne.

Carlos Marx e não: Karl Marx.

Diana ("díâna") e não: "dáiana".

Diogo e não: Diego.

Dionísio Diderot e não: Denis Diderot.

Donaldo Trump e não: Donald Trump.

Eugênio Delacroix e não: Eugène Delacroix.

Príncipe Filipe e não: príncipe Philip.

Frederico Nietzsche e não: Friedrich Nietzsche.

Jeremias Bentham e não: Jeremy Bentham.

Jesus e não: Ioshua nem Ióxua.

João Goethe e não: Johan Goethe.

João Paulo Sartre e não: Jean Paul Sartre.

João Sebastião Bach e não: Johann Sebastian Bach.

José Stalin e não: Ioseph Stalin.

Margarida Tatcher e não: Margaret Tatcher.

Miguel Ângelo e não: Michelangelo.

Miguel de Montaigne e não: Michel de Montaigne.

Miguel Foucault e não: Michel Foucault.

Nicolau Maquiavel e não: Niccolò Machiavelli.

Pato Donaldo e não: pato Donald.

Rainha Isabel e não: rainha Elizabeth.

Renato Descartes e não: René Descartes.

Rogério Scruton e não: Roger Scruton.

Romão Rolland e não: Romain Rolland.

Simona de Beauvoir e não: Simone de Beauvoir.

Titânico e não: Titanic.

Arezzo = Arécio.

Augsburg = Augusta.

Avignon = Avinhão.

Bâle = Basiléia.

Bayonne = Baiona.

Berne = Berna.

Biarritz = Biarriz.

Bordeaux = Bordéus.

Boulogne = Bolonha.

Canterbury = Cantuária.

Conventry = Convêntria.

Cornwall = Cornualha.

Dantzig = Danzigue.

Darmstadt = Darmestádio.

Firenze = Florença.

Frankfurt = Franquefurte.

Gênes = Gênova.

Glascow = Gláscua.

Gotingen = Gotinga.

Grenoble = Grenobla.

Helsinky = Helsínquia.

Kent = Câncio.

Kopenhagen = Copenhaga.

Leipsig = Lípsia.

Liège = Leódio.

Livorno = Liorne.

Loire = Líger.

London = Londres.

Louvain = Lovaina.

Mayence = Mogúncia.

Milano = Milão.

Montpellier = Mompilher.

New Iork = Nova Iorque.

Orléans = Orleães.

Otawa = Otava.

Padova = Pádua.

Plymouth = Plimude.

Rouen = Ruão.

Saarbruken = Sarburgo.

Severn = Sabrina.

Toulon = Tulono.

Toulouse = Tolosa.

Tours = Túrones.

Valois = Valésia.

Vendôme = Vandoma.

Versailles = Versalhes.

Weimar = Veimar.


Se escrupulizar, pode traduzir e dar o nome original entre parênteses, com o que informará o exantropônimo (primeiramente este, por priorizar-se o vernáculo) e o endômino[2]:

Micaela (Michelle) Obama.

Carlos (Carl) Sagan.

Rainha Isabel (Elizabeth) da Inglaterra.

Frederico (Friedrich) Nietzsche.

Mompilher (Montpellier).

Munique (München).

Líger (Loire).

Exemplário de exantropônimos em livros traduzidos e publicados no Brasil:


1) Em títulos: Eugênia Grandet (editoras Abril e Ediouro), A cabana do pai Tomás (editoras Saraiva, Madras, Geral), Miguel Strogoff (editora Saraiva); Miguel Ângelo (editoras Nova Fronteira e edições de Ouro); Joana d´Arc (inúmeras editoras); Teresa Raquin (editora Arcádia; editoras Unibolso e Guimarães, de Portugal); Ricardo Coração de Leão, Fabíola, A cabana do pai Tomás, Otávio (Edições Paulinas).


2) Nomes de autores: Nicolau Maquiavel (editoras Vozes, Peixoto Neto, Nova Fronteira, Abril, Martins Fontes); Júlio Verne (editoras Saraiva, Martin Claret, Ediouro, Melhoramentos); Carlos Frederico Filipe von Martius (prefácio de Ervino [Erwin] Theodor a Frey Apollonio, editora Brasiliense); Leão Tolstói (Três novelas de Leão Tolstói, edições de Ouro; Três novelas, editora Círculo do Livro); Gustavo le Bon (Psychologia dos novos tempos, editora Garnier); Luís de Wohl (Assim declinou o Sol, Edições Paulinas). Também Leão Tolstói (Ressurreição, editora Unibolso, de Portugal).


3) Nomes de personagens: Gregório, Manuel, Urbano, Luís, Balduíno, Frederico, Irene (O Príncipe da Índia, de Lewis Wallace, editora Saraiva); Júlio, Henrique, Luís, Luísa, Marcos (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); Luísa, Henrique, Helena (O coração da matéria, de Graham Greene, editora Record); Amélia, Antonina, Alexandre, Marina, Anfímio, Helena, Serafina, Olga, Panfílio, Cristina, Agripina, Eudóxia (O Doutor Jivago, de Bóris Pasternak, Editora Itatiaia); Teresa, Luísa, Ana Maria (O mistério do castelo de Morande, de Valmor, editora José Olympio); Bruno, Rodolfo, Tebaldo, Jorge, Otávia (Lírio do vale, de de la Grange, editora Brasileira); Armando, Cristina (Um amor como o nosso, de Luciana Peverelli, editora Vecchi); Estevão, Guilherme Bárbara (A imagem da mulher nua, de Maurício [Maurice] Leblanc, editora Vecchi); Rinaldo, Landolfo, Eugênia, Frederico, Tadeu, Berardo, Tiago, Bruno, Eduardo, Roberto, Cristiano, Otão, João, Hugo (A libertação do gigante, de Luís [Louis] de Wohl, edições Paulinas); Rogério, Clara, Tiago, Fabriano, Hortolana, Pedro, Roberto, Francisco, Elias, Anselmo, Otão (O cavaleiro do amor, de Luís [Louis] Wohl, edições Paulinas).


4) Nomes de vultos históricos: Vítor Manuel (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); José Joaquim Rético, Pedro Ramus, Nicolau Copérnico, Leão Batista Alberti, Nicolau de Oresme, Fabiano von Lossainen (Copérnico, de Afonso Henriques de Guimarães Neto, editora Três); João Locke, João Rousseau, Frederico Froebel, Augusto Francke, Emílio Boutroux, Gregório Girard, Helena Key, Luís Gurlitt, Leão Tolstói (Noções de história da educação, de Teobaldo de Miranda Santos, Companhia Editora Nacional); Isidoro Augusto Maria Xavier Comte, Rosália Boyer, Clotilde de Vaux (Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte, de José [Joseph] Lonchampt, Igreja Positivista do Brasil); Tomás Morus, Erasmo de Roterdam, Tomás Aubert, Carlos V, Henrique II, Américo Vespúcio, Lourenço de Médici, João de Léry, André Thevet, Rogério Bacon, Pedro d´Ailly, Miguel de Montaigne (O índio brasileiro e a revolução francesa, de Afonso Arinos de Melo Franco, editora José Olympio); Alfredo Andersen (em toda a bibliografia paranaense); Frederico Guilherme Virmond, João Francisco Supplicy (Genealogia de Frederico Guilherme Virmond, de Nicanor Porto Virmond, edição do autor; Biografia de Frederico Guilherme Virmond, de David Carneiro, edição do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. São exônimos consensuais entre seus descendentes); Carlos Dickens (Os construtores do mundo, de Estefano [Stefan] Sweig, editora Delta); Joana d´Arc (na bibliografia em geral); Honorato de Balzac, Miguel Ângelo, Martim Brucer, Quintino Mastys, Augusto Comte, João Paulo Richter, Carolina Brand, Henrique Heine, João Lutero, Martim Lutero, Nicolau Bacon, Carlota Corday, Catarina Gordon de Gight, Carlos James Fox, Cristovão Wren, Luís Pasteur, Roberto Hook, Henrique Sidney, Carlos Darwin (Vida e trabalho, de Samuel Smiles, editora Garnier).


As traduções e adaptações de nomes próprios e de topônimos são corretas; não estão proibidas em parte nenhuma; há páginas da Wikipédia com elas (não apenas eu pratico assim). Em capas, folhas de rosto e fichas catalográficas de livros, é aceitável usarem-se endôminos caso os exantropônimos dificultem a identificação do autor, pelo leitor comum, a exemplo de Romain Rolland que não seria identificado como Romão Rolland; não é o caso de Ovídio, Guilherme de Ockam, Augusto Comte, Abelardo e Heloísa e outros.

Algumas editoras brasileiras adotam a forma “Liev” ou “Lev”, do russo Лев, prenome transliterável e traduzível de Tolstói. Sua transliteração significa grafar-lhe a pronúncia: "liév", assim como Charles transliteramos para "tcharles", "John" para "djôn”. Sua tradução significa dar o significado daquela palavra em português: ela significa leão. O nome dele era Leão, em russo.


Imagine livro cujo nome de autor seja dado como "Tcharles Darwin", "Jân Jaque Rousseau", "Oguíst Comte". Seria estapafúrdio: é o mesmo que "Liév Tolstói", em que "Liév" é o nome pronunciado em russo, não vertido para português.


Assim como Auguste Comte, Charles Darwin, Jean Jaques Rousseau traduzem-se como Augusto Comte, Carlos Darwin, João Tiago Rousseau, Лев pronuncia-se “liév” e traduz-se como Leão. Logo: Leão Tolstói, não “Liév Tolstói”, assim como tampouco redigimos “Oguíst Comte” nem “Tcharles Darwin”.


Em país de idioma espanhol traduziu-se Fred Flintstone por Pedro Picapiedra (Pedro Quebra-pedras) e Barney Rubble por Paulo Mármol (Paulo Mármore).



[1] Marcos de Castro, A imprensa e o caos na ortografia (Rio de Janeiro, Record, 2008, 5ª ed., p. 70). [2] Há páginas da Wikipédia com tal uso.

Comments


bottom of page