Pouca coisa boa levaremos de 2020.
Imagem de Gordon Johnson por Pixabay
Ah, os otimistas… São admiráveis em sua quixotesca tentativa de sempre ver o lado bom em tudo. Também em 2020 buscam ver o positivo. Foi um ano de descoberta, dizem. Revelou-se o lado solidário do ser humano, acrescentam. Uma oportunidade para o florescimento individual, assim por diante. Li um texto em que, a cada parágrafo, o autor agradecia por 2020 e suas oportunidades de crescimento…
Talvez eu seja amargo, mas não penso assim. Claro, crises revelam o que há de melhor e pior no ser humano. Sempre foi assim. Mas isso não nos leva a comemorar a crise, continuamos lamentando. A Segunda Guerra Mundial, nos últimos 100 anos, foi o pior período enfrentado pela humanidade. Uma crise aguda de enfrentamento, destruição, sangue e morte. O ser humano mostrou-se a própria besta do apocalipse. O ser humano mostrou traços da mais absoluta capacidade de doação e empatia. Nem por isso comemoramos aqueles quase seis anos como um período de oportunidades e aprendizado a ser celebrado.
2020 foi um horror. Esta é a verdade. Aqui, em nosso país, foi com certeza o pior ano da Nova República. Talvez o pior ano desde 1945. Digo talvez, porque há argumentos fortes contra alguns anos no princípio da ditadura militar. Mas foi, certamente, o pior ano nos últimos 40 anos. Então, não vamos celebrar nada. Vamos por este maldito ano para trás.
Afinal, foi um ano de dor e sofrimento. Sofrimento exacerbado pela omissão e incapacidade do governo federal. Dor multiplicada pelos maus exemplos do nosso principal líder. Ano absurdamente contaminado por desinformação e obscurantismo. 2020 foi tão dolorosamente absurdo que pela primeira vez os mascarados apresentavam mãos limpas. Um ano em que o negacionismo extrapolou a mera burrice para atingir a maldade. Quando, em 2021, finalmente a vacinação em massa recolocar o país na normalidade, os negacionistas negarão que negaram a vacina. Aguardem e confiram.
Sim, como todo período de crise, há pessoas e exemplos a exaltar. Vamos enaltecer os profissionais de saúde, que trabalharam dobrado, que se arriscaram dez vezes mais, pelo bem comum, para salvar cada vida sob seus cuidados. Vamos admirar o poder da ciência, capaz de forjar vacinas em tempo recorde. É justo também aplaudir a imprensa livre, que cumpriu sem cansaço o papel de bem informar, enfrentando a desinformação e a difamação das redes sociais e dos que se alinham com as forças do autoritarismo. Vamos celebrar cada cidadão que fez sua parte: que usou máscara e lavou as mãos, ainda que seu Presidente lavasse as mãos sem usar máscara; que evitou aglomerações desnecessárias, porque entendeu o sentido do coletivo; que trabalhou em home office quando possível, mas que se arriscou quando sua atividade era essencial; que mostrou empatia com os semelhantes que perderam entes queridos; que foi solidário; que foi humano, enfim.
Guardemos na memória os bons exemplos, dos grandes e dos pequenos. Mas não celebremos a crise. 2020 foi um horror. E já vai tarde.
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