Vem aí uma nova edição do Oscar. Não interessa o resultado, vamos comemorar: a máquina de sonhos não morreu.
Imagem de Portal Olavo Dutra.
Todo mundo sonha. Dormir e sonhar faz parte da fisiologia humana. E é indispensável à saúde física e mental. Os cientistas, com suas máquinas maravilhosas, demonstram isso. Freud, já no final do século XIX, abriu a porteira com seus estudos sobre os sonhos. Nós, no nosso cubículo apertado, diríamos que todos choveram no molhado. A humanidade sabe disso desde antes da era moderna ter dado fumos de cientificidade ao ato de sonhar. Para abreviar a história, basta observar as lendas, costumes e histórias que se incorporaram ao imaginário da humanidade, todas documentadas, demonstrando a importância que têm os sonhos em todos os povos. Todos. Freud, com sua cultura, resgatou o que era senso comum.
Ora, se o indivíduo sonha, e se não sonhar morre, também a humanidade precisa sonhar. E para tal se socorre com os de sempre: os poetas, cantores, dançarinos, arquitetos, músicos, pintores (aquelas pinturas rupestres são uma forma de sonho de caçadores famintos), e toda a fauna de esquisitos que povoaram a história da humanidade.
Hoje, a principal máquina de sonhar é o cinema e a televisão (a maioria dos contadores de história se transferiu para lá). No breve momento em que o espectador assiste um filme, uma novela ou uma série de televisão, ocorre uma suspensão do pensamento realista e o cérebro entra em um modo semelhante ao ato de sonhar. Os smartwatches e smartbands captam o fenômeno como um momento de sono, assemelhado ao do sono leve ou sono RAM (sono RAM é a parte em que as pessoas sonham).
E nesta breve história do cinema (um pouco mais de cem anos), nada se comparou ao papel de Hollywood nos anos 30, 40, e parte dos anos 50. Em alguns filmes (como o cinema noir, os filmes de monstro, os filmes românticos, os musicais), a natureza onírica se manifesta de maneira mais acentuada. A grande arte dos realizadores é fazer o espectador entrar no modo de suspensão da realidade. A partir deste momento vale tudo. Aceita as premissas, as leis da natureza e da sociedade deixam de existir. O homem voa, os monstros são reais, o herói é invencível, o amor verdadeiro (true love) existe, as mulheres são lindas e glamurosas e os homens, másculos e gentis.
Neste campo, em se plantando, tudo dá. Como o cinema é uma arte e uma indústria tecnológica (e cara), veio do Império Americano a maior contribuição para o imaginário mundial. A influência deles foi e é avassaladora. Eles moldaram a maneira de ver o mundo. Não sem razão. Basta ver os escritores, artistas e realizadores que participavam da empreitada, orquestrada por tubarões que entendiam do ofício, ou que se cercavam de experts, gente realmente entendida.
Conta-se que William Faulkner foi chamado a trabalhar em Hollywood. Ele nunca havia assistido um filme, e o levaram para uma sessão. Ele viu, e reagiu espantado: “Jesus! Isto é cinema?”. Mesmo assim, lá ficou, mais um mercenário trabalhando na máquina de fazer sonhos. Uma Aventura na Martinica e À Beira do Abismo, de Howard Hawks (ambos com Bogart) contaram com sua colaboração como roteirista. Três anos depois de Uma Aventura na Martinica foi ganhar um Prêmio Nobel de Literatura. Outros grandes escritores foram atraídos pela máquina de fazer sonhos e dinheiro de Hollywood, vindos de todas as partes do mundo. Cinema sempre foi uma indústria cosmopolita. O império, afinal, estendeu seus tentáculos para todo o mundo. Mas, principalmente, refletia o domínio americano e ocidental.
Vem aí uma nova temporada da festa máxima deles – e por extensão, nossa – o Oscar. A indústria hollywoodiana perdeu parte da hegemonia, mas quem foi rei não perde a majestade, e eles não dão o braço a torcer. Grandes filmes, como Oppenheimer, mostram que há grandes realizadores, capazes de produzir a velha magia. Barbie mostra como a indústria é capaz de transformar lixo em grande entretenimento. Os Rejeitados mostra que a habilidade narrativa e atuação são a razão de ser da indústria. Grandes atores e atrizes percorrerão o tapete vermelho. A máquina de sonhos está no palco.
Acho a cerimônia do Oscar muito chata. Lembra aquela frase: “É como uma ópera. Demora a aparecer uma ária que preste”. Mas é a grande festa da indústria, e para nós, que adoramos cinema, é sempre um motivo de comemoração.
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