Um dos muitos textos irresponsáveis que nos bombardeiam diariamente nas redes sociais.
Imagem de Senado Federal.
Aproxima-se o aniversário do 8 de janeiro e as redes sociais são inundadas de mensagens, muitas delas estúpidas, outras tantas de flagrante má fé. Tive o desprazer de receber uma destas mensagens onde um sujeito, supostamente intelectualizado, colocava em forma de diálogo, sua visão da situação política do país. O diálogo se dava entre aluno e professor. O aluno, em verdade, representava o povo, retratado de forma muito simples a formular perguntas ingênuas, embora pertinentes. O professor representava um "homem de visão", espécie de guru político, respondendo prontamente.
O problema não estava nas perguntas, todas legítimas. O problema residia nas respostas, pretensamente sábias, mas repletas de meias verdades ou mentiras escrachadas. Vejamos alguns exemplos deste diálogo, em excertos:
...
-- A mais alta corte pode mudar a constituição?
-- Não, só podem cumprir a constituição.
-- E cumprem?
-- Não.
-- E o que fazer?
-- Bem, aí os representantes ( do povo, referindo-se ao Congresso Nacional ) podem tirar os ministros da mais alta corte dos seus cargos.
-- E tiram?
-- Também não.
Embora o Supremo Tribunal Federal mereça críticas e por vezes peque por extrapolar suas funções ou por certo ativismo, o diálogo é eivado de mentiras e má fé. A resposta à pergunta " e cumprem " é simplesmente não, o que por certo não pode deixar de ser entendido como mentira vergonhosa e de má fé. Por outro lado, estimula o povo a imaginar a possibilidade de retirar Ministros do STF de seus cargos ou simplesmente eliminá-los por algum ato violento.
O diálogo continua:
-- Mas o que fazer já que os representantes não tiram?
-- Aí você tira os representantes nas eleições.
-- Todos os representantes podem ser tirados?
-- Na verdade não. Pois dos 513 congressistas apenas 27 chegaram lá pelo voto.
-- Como assim?
-- Por causa das leis eleitorais como coligação partidária, proporcionalidade, etc.
-- E quem fez essas leis?
-- Eles mesmos, para não dependerem das eleições.
-- E por que não querem depender das eleições?
-- Porque são quase todos bandidos e ninguém votaria neles.
Embora também o Congresso Nacional mereça muitas críticas e o sistema eleitoral permita algumas deformações da vontade popular, forçoso reconhecer que o diálogo é extremamente falso e canalhamente de má fé. Dizer que apenas 27 congressistas atinjam o mandato pelo voto é evidente mentira. Dizer que quase todos congressistas são bandidos é uma generalização infantil e irresponsável.
A infantilização subjacente ao diálogo continua:
-- Bem, se os representantes do povo não representam o povo, a mais alta corte é sua cúmplice e o executivo pode se tornar refém de ambos, podendo até mesmo nem conseguir governar, o que dá para fazer?
-- Nada. Não há o que fazer.
-- Como assim, deve existir algo que possa ser feito!
-- Não. É só se conformar, obedecer às leis, dar 6 meses do que você ganha para pagar todo o luxo desses vagabundos e ficar quieto.
-- Ficar quieto?
-- Sim, para não ser preso.
-- Mas isso não é justo! Toda a população sofre horrores há décadas porque foi completamente escravizada por milhões desses bandidos que vivem no luxo, trabalham muito pouco e pretendem ser eternamente sustentados pelo sangue e suor da população!
-- É exatamente isso. Você pegou a ideia. E não há nada que se possa fazer.
-- E a única opção seria o que, o comunismo?
-- Vejo que você ainda não entendeu direito. Isso é o comunismo. A única diferença é que em países pequenos e com poucas riquezas naturais toda a população se torna rapidamente miserável. Mas como o Brasil é um dos países mais ricos do mundo nas mais diversas formas de recursos naturais as pessoas acreditam que não somos um país comunista. Mas somos.
-- E aqueles que se dizem comunistas, são o que?
-- Alguns são meros fantoches estúpidos e inconscientes, outros são cúmplices corruptos dos parasitas.
-- Mmmmmmm!
-- A ideia era dar a impressão para a população que eram dois grupos, para fingir uma disputa, entende?
-- Claro.
-- Um grupo fingia ser de direita e o outro de esquerda. Mas na verdade ambos eram ladrões e cúmplices na implantação do comunismo no país. E a velha concepção de que o poder é como um violino...
-- Violino?
-- Sim, segura com a esquerda e toca com a direita.
-- Ahh! Igual a nossa mídia! Os patrões sempre "de direita", mas sempre contratando jornalistas "de esquerda".
-- Exatamente!
-- Meu Deus, mas que inferno! É um verdadeiro pesadelo viver num país assim. Tem certeza de que não existe nenhuma outra saída?
-- Existe, mas você apoiaria?
Este é um exemplo claro de como as redes sociais podem fazer mal às pessoas. Ao final do texto, quem envia faz uma recomendação: Espetacular! Vale a leitura. Na verdade, raramente vi um apanhado de palavras com tantas mentiras e má informação. O texto insinua uma teoria da conspiração, onde a polaridade que nos consome é uma farsa, destinada a enganar a população e ( pasmem! ) nos manter no comunismo. O 8 de janeiro, portanto, foi uma farsa, já que Lula e Bolsonaro são farinha do mesmo saco ( nisso, ao menos, há algo de verdade ). O sujeito que escreve não é um ignorante e certamente não entende o comunismo desta forma. Daí decorre que somente pode estar movido por má fé.
Textos como esse nos atingem diariamente, desinformando, infantilizando a população e gerando ódio. Quem investe contra o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e a Imprensa Livre como fez o autor deste texto, somente pode estar movido por sentimentos e ambições totalitárias, pois são três pilares da democracia.
A democracia é, sabidamente, um sistema imperfeito. Contudo, não há alternativa melhor se não sua aprimoração. A ideia final do texto é de que existe uma "saída", não revelada pelo autor, mas que inferimos certamente apontar para uma ditadura. Apostaria uma fortuna de que o autor do texto votou em Bolsonaro nas duas eleições e, se fosse argentino, teria apoiado Milei, com sua irresponsável motosserra.
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