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3 CONTOS SOBRE GOLFE - III


Em três domingos, apenas para quem ama o golfe.


Imagem de e-Bay.

O CAMPO E A VIDA



O campo era belíssimo. Um gigantesco jardim, com vastos gramados ladeados por cedros, lagos que refletiam o azul do céu, o verde quebrado por bunkers de areia, bosques estrategicamente colocados. Ele adorava passear no campo. Mas o motivo principal não era esse.


O esporte era saudável. Fazia bem ao seu corpo e à sua mente. Caminhava, respirava ar puro, exercitava braços e pernas, esquecia dos problemas. Mas também não era por isso.


Gostava de competir, reconhecia. A disputa em uma partida de golfe progredia lenta e medida. Nem por isso era menos quente. A decepção com uma tacada infeliz, a alegria de uma recuperação, a adrenalina de um putter decisivo. Aquilo mexia com ele, porém tampouco era a razão.


No fundo, ele sabia porque jogava golfe. Havia muitas razões, mas sobre todas elas, estava uma: o golfe é uma metáfora da vida. Nenhum esporte representa a vida humana e suas dificuldades como o golfe. Ele havia refletido muito sobre isso e concluiu que este era o motivo principal de sua paixão por aquele jogo.


Motivado por esta descoberta, quis justificar seu pensamento. Percebeu que os 18 buracos de um campo de golfe expressavam, numa metáfora significativa, a vida de uma pessoa em seu desenvolvimento. E assim centrado, arriscou escrever como via esta trajetória paralela entre o curso do campo e a vida.



  • Buraco 1 - Descobrindo o mundo - Primeiros anos - Você entra em contato com um campo novo, desconhecido. Tudo é novo e empolgante. O campo parece gigantesco, descomunal. As cores atraem e deslumbram: verde de vários matizes, o azul do céu, o branco das nuvens e dos bunkers de areia, o marrom de troncos e galhos, a cor mutável dos lagos e rios.


  • Buraco 2 - Os monstros do armário - Agora você conhece o campo um pouco melhor e já experimentou alguns tropeços e arranhões. Começa a perceber que no campo há perigos ocultos. Naquele bosque há ameaças nas sombras. Aquele lago pode te afogar.  


  • Buraco 3 - A infância - O campo tornou-se divertido e você adora jogar. Especialmente se tiver amigos jogando com você. A disputa é apenas uma brincadeira. Os perigos estão presentes e você os percebe, mas por vezes assume um comportamento perigosamente imprudente. Os tropeços e arranhões são mais graves. Você chora, reclama. Mas os amigos chamam e você volta ao campo para jogar alegremente.


  • Buraco 4 - Sonhos - Você bate um driver e imagina que sua bola é um foguete, um exocet de voo baixo. No driver seguinte sua bola faz um fade assustador cujo destino é um lago, mas um dragão voador desvia a bola que cai salva no canto do fairway. Você imagina que será um grande campeão, recebido com aplausos por uma multidão no buraco dezoito. Ensaia o cumprimento à massa de torcedores com seu boné.


  • Buraco 5 - Adolescência - Não sei mais se gosto ou não gosto do jogo. Por vezes uma angústia toma conta do meu coração, dizendo que eu não devia estar ali naquele campo, que a bolsa é muito pesada e não tenho um caddie para me tranquilizar e dar conselhos. Puno meus tacos com pancadas no chão por seus erros estúpidos. Jogo muito com os amigos, mas sinto, por vezes, que estou mais preocupado com a aprovação deles do que com a diversão que deve haver na disputa.


  • Buraco 6 - Amizade - Entre os companheiros de jogo encontro alguns que se tornam parceiros especiais. Aquele que me entende e incentiva e, mais que isso, parece ter prazer na minha companhia. Fico feliz sempre que estou jogando com ele, porque qualquer tacada é razão para dar boas risadas. Torço para jogar com ele por muitos anos e para que ele tenha bom desempenho.


  • Buraco 7 - Juventude - Já avancei bastante no campo e ele quase não me assusta mais. Ao contrário, frequentemente sou tomado por uma sensação de que sou invencível. Esse sentimento, incentivado pelos amigos que fiz no campo, levam-me a um jogo irresponsável e imprudente. Sou punido severamente algumas vezes, especialmente por bolas lançadas fora dos limites do campo. Protesto que o O.B. é uma invenção injusta de gente velha, pois um campo bom não deveria ter limites. Vagamente reflito sobre o futuro e penso que deveria dar mais consistência ao meu jogo. Então ouço o grito dos amigos chamando-me à disputa. Assumo o driver num buraco 7 bem perigoso, mas antes da tacada meu melhor amigo oferece uma garrafinha de whisky. Tomo um grande gole e assumo minha posição no tee com total confiança.


  • Buraco 8 - Primeiro amor - Eis que chego no buraco 8 e há uma linda moça no tee. Ela também teve problemas no buraco 7 e atrasou seu jogo. Tem um sorriso devastadoramente encantador e o usa para me convidar a jogar com ela. Claro que aceito. Seguimos jogando juntos alguns buracos e tudo nela chama minha atenção. Seu swing, suas roupas, seu caminhar, a maneira como afasta uma mecha de cabelo ao preparar-se para um putter. Misteriosamente, passo a reparar em arbustos floridos e em patinhos que desfilam no lago. Jogar é maravilhoso.


  • Buraco 9 - Universidade - Depois do buraco 8 joguei com muitas companheiras diferentes, nem sempre tão maravilhado. Jogar com elas continua encantador, mas agora estou tomado por outras preocupações. Estou preocupado em desenvolver um jogo mais científico. Quero melhorar meu desempenho porque o futuro está no meu horizonte. Preocupo-me em aprender coisas que antes passavam despercebidas, porque meu estilo era puramente natural. Reparo no grip, no loft de cada taco, nas diferenças que imponho ao meu swing para obter um draw controlado. Antes jogava com qualquer bola, agora exijo bolas de balata. E sobretudo, quero vencer.


  • Buraco 10 - Casamento - Encontrei uma parceira e agora só jogo com ela. Muitas vezes é maravilhoso, pois formamos uma dupla que se entende, enfrentando o campo juntos rumo à vitória. Outras vezes é frustrante, pois divergimos no entendimento do jogo, nas estratégias que devemos adotar. Quando estamos sintonizados, o jogo flui maravilhosamente. Quando nos desentendemos, o campo nos castiga duramente.


  • Buraco 11 - Trabalho - Agora o jogo é sério, pois dependo do meu bom desempenho para ganhar o pão de cada dia. Do meu sucesso depende a minha família. Esta consciência faz um putter de um metro ser pesado de responsabilidade. Não jogo pra me divertir. Jogo pra viver.


  • Buraco 12 - Família - Minha esposa segue jogando comigo, por vezes sorrindo, por vezes chorando. Ela aplaude minhas boas tacadas e fecha os olhos quando dou um filaço. Aos meus filhos tento ensinar o jogo, embora claramente não seja o professor mais competente. Quero, acima de tudo, que apreciem o campo e sintam prazer em jogar.


  • Buraco 13 - Oportunidades - Percebo que posso jogar conservadoramente ou correndo riscos. Estou a 200 jardas do green e há um lago no caminho. A água se estende por pelo menos 180 jardas. Arrisco um tiro ou faço um lay up desviando à esquerda? Em outra situação, com uma bola no meio do bosque, posso fazer uma tacada lateral curta e segura para voltar ao fairway. Mas vislumbro entre os galhos das árvores uma estreita janela que, com um bom tiro, pode me colocar diretamente no green. A dúvida me consome.

 

  • Buraco 14 - Meia idade - O campo quase não me surpreende mais. A essa altura, já sei se estou jogando bem ou mal. Quando considero que estou com um bom desempenho, minha confiança cresce na proporção da alegria que o jogo me dá. Quando sei que estou jogando mal, resta a esperança de uma brilhante recuperação nos buracos finais.


  • Buraco 15 - Encruzilhada - Para alguns é um par 4 cujo green pode ser atingido com uma tacada apenas. Mas há um lago do lado esquerdo e bancas profundas do lado direito. Um tiro tentador, mas arriscado. Para outros é a tentação de adulterar o cartão, desconsiderando tacadas ruins com uma postura autocondescendente: naquela não estava concentrado, não vale. Naquela outra a bola foi boa mas o vento levou-a para o lago… 


  • Buraco 16 - Sucesso profissional - Trata-se de um buraco que pode ser jogado de várias maneiras. Em alguns campos é um par 3 curto, que possibilita um birdie; em outros é um longo par 5, de mais de 600 jardas, em que a maioria dos jogadores só chega no green com a quarta tacada. Estranhamente, também a maneira de encarar o êxito no buraco varia de jogador para jogador. Alguns entendem que o sucesso está no hole in one no par 3 ou um eagle no par 5. Outros vêem o sucesso nas apostas que ganham. Para outros, ainda, o sucesso está na satisfação que o buraco proporciona.


  • Buraco 17 - Velhice - Aquele par 5 cujo green você atingia com a segunda tacada em sua juventude, agora parece tão longo… Suas tacadas não chegam a 70% da distância que outrora atingiam… Seus olhos enganam você na análise da inclinação dos greens… Em compensação você não permite mais que uma tacada ruim afete seu bom humor. O campo é muito mais que uma sequência de tacadas. Você sente a brisa cálida em seu rosto, o aroma dos cedros, percebe flores, aves e insetos. E tem muito a ensinar aos jogadores mais jovens.


  • Buraco 18 - Dando adeus - Você jogaria outros buracos se pudesse, mas chegou no 18 e deve deixar o campo. Outros jogadores querem jogar. Em volta do green você é recebido pela família e pelos melhores amigos. Não importa o seu desempenho ao longo do curso do campo, você quer terminar bem. O último putter é o mais difícil, longo e inclinado. Você assume a postura e dá a última tacada. Fecha os olhos e espera ouvir o barulho da bolinha caindo no copo…



Ao final, ele releu toda trajetória e sentiu-se realizado. Com imensa serenidade percebeu que não é o resultado do jogo que importa, mas como você joga, como se relaciona com adversários, companheiros e torcida. A caminhada é mais importante que o cartão que você entrega no Club House. Afinal, você sempre pode recomeçar e jogar mais uma partida. Rumo à excelência! 





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