ABAIXO O ESPÍRITO
- Melissa Zampronio

- 20 de jul.
- 3 min de leitura
Eu me pergunto todos os dias se existe algo a ser feito

Foto de Melissa Zamprônio.
Como um peixe nadando contra o vidro do aquário, com todas as forças, eu me pergunto todos os dias se existe algo a ser feito, alguma saída ou uma ideia capaz de tirar esse pano pesado dos meus olhos, do meu peito, que me cega e me sufoca.
E num gesto ainda que de autocompaixão me pego pensando que tentar achar soluções é um sinal de que nem tudo se esvaiu. Mas… será mesmo?
É o tempo o dono desses sentimentos? Que poder ele teria de desatar tantos nós que até agora não fez?
Preciso lembrar de me alimentar, de lavar o rosto, de trocar de meias e de tirar o pó dos livros que não consigo ler. Uma parte disso é a última trava antes da loucura e da desistência total, as quais talvez não me atinjam mais por conta dos remédios, essas drogas que me causam tanto ódio e um certo alívio.
Tem sido um exercício ingrato todos esses anos escrever sobre coisas que finjo não sentir e sobre pensamentos que nunca foram meus. Tenho a sensação de não ter posto de fato minha essência em nenhum papel, em nenhum pixel até hoje. Olho no espelho e vejo exatamente a parede do aquário e forço minha testa contra a fina película de prata enquanto minha visão fica turva e meu espírito sobe confuso para qualquer buraco.
Ao menos escrevendo sinto concretamente que construo algo, por menor que pareça, porquanto não haja neste mundo o que posso fazer sobre o desespero surdo e cínico a me cercar.
E não sei dizer nada além de amargas palavras para mim mesma, evidenciando uma (falta de) dor sem sentido algum, de modo a tentar acrescentar um significado às horas despendidas na cama. É mais fácil poupar energias e me dizer cansada. Por outro lado, acho que isso é verdade e que as forças me faltam: é essa a infeliz e libertadora constatação, por hoje.
Seguro meus braços e digo a mim mesma que preciso expressar tudo quanto e como vier, sem a facada do autojulgamento, sem imitar nem repetir a impiedade com que o resto do mundo ouviu meus prantos por socorro, socorro este que jamais veio e que não virá senão de mim mesma - e isso me assusta profundamente.
Olho para as minhas pálidas e doloridas mãos enquanto seguro o enjoo por não poder gritar as feridas ainda ensanguentadas por falta de cuidado e por negligência de um tempo que passa indiferente por essa dor.
Ora, novamente caí na óbvia conclusão de que, já há muito tempo, isso tudo é responsabilidade minha - ao mesmo tempo que quero muito dividir isso e sentir que essas toneladas podem sair, momentaneamente, dos meus cansados ombros. Deve haver algo entre tais proposições que seja justo e que me deixe livre para provar um pouco da catarse dos meus sonhos.
“É perda de tempo”, sopra a voz metálica da minha consciência destruída, depois de horas quebradas de um lado ao outro desse mesmo problema. E me agarrar aos vários gramas de reguladores de humor, no máximo, farão uma dor de cabeça insuportável e uma pausa atormentadora nesses pensamentos, que, isso pior, voltarão com mais raiva de mim - e corro para a outra parede a fim de enxergar algum buraco ou algo que a faça mover, mas não há.
Meu eu de dez, quinze anos atrás rezava para um futuro eu dizer a ele coisas doces e esperanças realizadas, rolando angústias e sofrimentos para um momento em que seria menos terrível lidar com estas. Mas, sinto muito, em declaração dolorosa ao meu eu do passado, esses dissabores apenas vieram como uma caixa cheia de surpreendentes e velhas tragédias, agora com ultrapassado prazo de validade. Seguro agora minhas pernas e, franzindo bastante as sobrancelhas e todos os outros músculos do meu rosto, tento buscar pela memória e pela futura criatividade ferramentas para quebrar em pedacinhos esses rochosos e reprisados problemas. Porém, tola eu ao achar que se tratam de problemas, no sentido banal da linguagem; aqueles são, diferentemente destes, concentrados e densos destroços de uma personalidade que não volta mais; resta a mim, para hoje e para indefinidos anos a frente, derreter todos esses incômodos.
Talvez - sempre a hesitante eu - tenha agora um pouco mais de força e de meios para me proteger das perniciosas distrações e de alguns novos machucados possíveis. É isto: seguro no colo um monstro vindo persistentemente do passado, com feições a confundirem sua essência com coisas atuais - ele não é o que parece.










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