A Sociedade Brasileira de Espeleologia explica porque é contra a alteração de importantes decretos proposta pelo Ministério de Minas e Energia.
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POSICIONAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESPELEOLOGIA - SBE DIANTE DA MINUTA DE ALTERAÇÃO DOS DECRETOS Nº 99.556/1990 e N. 6.640/2008 PROPOSTA PELO MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA - MME
A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) vem, através deste documento, apresentar seu posicionamento em relação a minuta de alteração dos Decretos Federais nº 99.556/1990 e nº 6.640/2008, que dispõe sobre a proteção das cavernas existentes no território nacional, proposta pelo Ministério das Minas e Energia (MME).
É importante frisar, inicialmente, que a elaboração da minuta foi realizada de forma unilateral pelo MME, não havendo a fundamental participação de instituições notadamente ligadas ao tema, como o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas - (CECAV/ICMBio), ou envolvidas com a conservação das cavernas brasileiras, como a SBE, organização da sociedade civil de interesse público, que atua há mais de 50 anos na defesa das cavernas e dos ambientes cársticos brasileiros. Com mais de 1.800 associados, a entidade congrega 30 dos principais grupos de espeleologia nacionais. Representa ainda o Brasil na União Internacional de Espeleologia (UIS), onde ocupa uma das cadeiras da Diretoria, ao lado de países como Alemanha, Austrália, Estados Unidos, França e Japão.
Embora a minuta proposta altere questões muito específicas do marco regulatório vigente, ela atinge pontos fundamentais, a saber: a possibilidade de impactos irreversíveis em cavernas de máxima relevância (Art.3º da Minuta); e a fragilização dos órgãos ambientais licenciadores (Art.2º da Minuta). Além disso, o documento exibe fragilidades conceituais e procedimentais que, fatalmente, trarão insegurança técnica e jurídica aos processos de licenciamento ambiental em todas as esferas, acarretando em, além de prejuízos ambientais, prejuízos econômicos e sociais.
A SBE vê com imensa preocupação a minuta apresentada, sobretudo em função da possibilidade de impactos irreversíveis em cavernas de relevância máxima, diante de atividades ou empreendimentos de “utilidade pública”. A supressão dessas cavernas poderá resultar na perda irreparável de componentes naturais e culturais relevantes do ambiente subterrâneo, um fato sem precedentes na história do país.
Impactos em cavernas de máxima relevância poderão levar à extinção de centenas de espécies endêmicas, a grande maioria ainda não descrita ou sequer descoberta. No caso da quiropterofauna, um eventual desequilíbrio provocado pela supressão das chamadas bat caves, que não raro abrigam centenas de milhares de morcegos, pode cessar permanentemente serviços ecossistêmicos fundamentais, como o controle de pragas agrícolas, por exemplo. Sistemas hidrogeológicos em vastas regiões do país poderão ser comprometidos, ressaltando que várias cidades brasileiras são abastecidas com águas armazenadas em sistemas cársticos. Processos espeleogenéticos e espeleotemas únicos, desenvolvidos por atividade microbiana, que nunca foram observados no Brasil, poderão ser degradados. Estarão também sob risco preciosos arquivos paleoclimáticos registrados nos espeleotemas das cavernas brasileiras. A liberação de impactos em cavernas de máxima relevância poderá ainda trazer perdas de grande magnitude para a arqueologia e, consequentemente, para a história do homem na América (ver Caderno Técnico).
Um outro aspecto que não pode ser ignorado é o de que atualmente, no Brasil, inúmeras cavernas de máxima relevância são exploradas turisticamente, possibilitando o uso público deste inestimável patrimônio ambiental e cultural, por centenas de milhares de visitantes, brasileiros e estrangeiros, anualmente. Muitas destas cavernas encontram-se dentro de unidades de conservação de proteção integral, mas diversas outras encontram-se fora destas áreas protegidas. É extremamente preocupante que principalmente estas cavernas, com um menor nível de proteção efetiva, possam ser afetadas por impactos negativos, pois o seu uso turístico constitui importante gerador de emprego e renda em diversas regiões do país onde outras atividades econômicas não se desenvolvem adequadamente. Estes impactos afetariam a vida de milhares de brasileiros.
Ressalta-se que as cavernas de máxima relevância estão resguardadas pelo Artigo 216 da Constituição Federal, que define os bens de natureza material e imaterial que constituem o Patrimônio Cultural Brasileiro, dentre os quais os sítios de valor histórico, paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
A participação e o posicionamento da SBE, em um imprescindível grupo de trabalho, certamente contribuirão para o efetivo aprimoramento dos mecanismos técnicos e jurídicos do rito do licenciamento ambiental e da legislação de proteção às cavernas, pois a minuta elaborada pelo MME não atende aos valores da sociedade e as diretrizes mundiais de sustentabilidade. Uma discussão entre as instituições públicas competentes e as sociedades organizadas na busca de um aprimoramento da legislação, neste momento, é oportuna e necessária. No entanto, estes ajustes devem ser pautados pelo conhecimento técnico e científico disponível, e, acima de tudo, devem acontecer sem que o patrimônio espeleológico brasileiro seja ameaçado.
Embasam essa manifestação as cartas de apoio de renomadas organizações espeleológicas internacionais a seguir, o Caderno Técnico e seus Anexos, sendo signatários desse documento a Diretoria, a Comissão Especial de Proteção do Patrimônio Espeleológico da SBE e os Consultores Externos consultados.
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