ESCORRE
- Melissa Zampronio

- 13 de jun.
- 2 min de leitura
E você apertou com força o botão capaz de jogar aos ares esses sentimentos todos.

Imagem de Geminni IA.
Abri aquele caderno e vi a flor que ganhei de você: já embalsamada pelas folhas de papel e pelo tempo, quase três anos depois. O gatilho. Surgiram-me, de surpresa, cascatas pesadas de lembranças e sentimentos bastante confusos. Fui inundada por pensamentos rápidos, que surgiam e desapareciam como fumaça na água, de modo a me tirar completamente e por vários momentos da realidade.
Tentou me ensinar a dançar, enquanto eu sonhava em fazê-la uma devota dos meus autores; tentou me resgatar do inferno, ao passo que eu, mesmo longe da calmaria mental, tentei dar-lhe os motivos mais bonitos para jamais desistir. De fato, não desistiu e eu aprendi a retornar do inferno todas as vezes que lá estive. Tenho me aprimorado nessas viagens e confio na sua persistência em manter-se viva.
Divaguei sobre a ideia assustadora de nunca mais ter o peito devastado da forma que aprendi a ter quando abracei toda a beleza que pude receber de você. E isso, apenas, deixou claro o quanto me apeguei a estados mentais sem qualquer brio, cobrindo-me com mantas finas e sujas do que deixou de existir.
Nesse fluxo de memórias fui separando, com os braços esticados, o material para todas as reflexões que julguei necessárias. Ora, é bem evidente que nada disso se esgotará, porque diz mais sobre mim do que sobre você.
Sangrei por noites inaudíveis e por dias parados, tendo colocado o coração nas mãos sucessivas vezes. E houve e haverá sangue interminável para derramar por qualquer motivo, mas, sobretudo, pela poesia que recebo e reflito ao mundo. E você apertou com força o botão capaz de jogar aos ares esses sentimentos todos. Mostrou-me o filme do carteiro e do poeta, apresentou-me ao poema da estrela brilhante. Gravou em mim a tinta permanente - mas não imutável - das lições sobre ser humana.
Ainda com a cabeça cheia de ruído, inclinada, talvez até mais do que o necessário, numa posição de cansaço, deixei cair lágrimas mornas na borda dos óculos, as quais se acumulavam com rapidez. Que estúpida fragilidade, mas que irremediável paixão por cultivar aquilo que mal compreendo, apesar de ter gastado centenas de horas forçando minha frágil cognição.
Estou condenada a ser confrontada, onda após onda, pelos calafrios dessa febre, com a caixa cheia de sentimentos estancados e guardados sem muito cuidado. Apesar de afiada em receber as flores que vieram depois, não me desvencilhei da inocência das doces novidades, habilidades adquiridas com a mais maravilhosa sorte que já tive: a de ter dividido alguma alegria com você.
Após repousar aquela florzinha no chão em que me encontrava, folheei o conteúdo daquelas páginas. Observei todas aquelas palavras no caderno velho, surrado e detentor de toda minha essência, e significaram bem a vontade de escrever, independentemente do que diria e do que imprimisse à eternidade. Sei que, por bem e por amor ao que passei ao seu lado, por todas as vezes que segurei sua mão na rua e beijei o dorso dessa mesma mão, de olhos fechados, guardando aqui fundo, aqui dentro, para sempre isso, nada será mais perene que o meu amor.










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