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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

GRANDES POEMAS DA NOSSA LÍNGUA VII

A língua portuguesa tem pérolas esquecidas, espalhadas em velhos livros já não lidos. Hoje resgatamos Cartas de meu avô, um dos poemas mais ternos de Manuel Bandeira.

Imagem de Michal Jarmoluk por Pixabay


Cartas de meu avô


A tarde cai, por demais

Erma, úmida e silente…

A chuva, em gotas glaciais,

Chora monotonamente.


E enquanto anoitece, vou

Lendo, sossegado e só,

As cartas que meu avô

Escrevia a minha avó.


Enternecido sorrio

Do fervor desses carinhos:

É que os conheci velhinhos,

Quando o fogo já era frio.

Cartas de antes do noivado…


Cartas de amor que começa,

Inquieto, maravilhado,

E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento


Ofendê-la, desgostá-la,

Quer ler em seu pensamento

E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia


Contando o seu grande bem.

Mas, como o dele, batia

Dela o coração também.

A paixão, medrosa dantes,


Cresceu, dominou-o todo.

E as confissões hesitantes

Mudaram logo de modo.

Depois o espinho do ciúme…


A dor… a visão da morte…

Mas, calmado o vento, o lume

Brilhou, mais puro e mais forte.

E eu bendigo, envergonhado,


Esse amor, avô do meu…

Do meu - fruto sem cuidado

Que inda verde apodreceu.

O meu semblante está enxuto.


Mas a alma, em gotas mansas,

Chora, abismada no luto

Das minhas desesperanças…

E a noite vem, por demais


Erma, úmida e silente…

A chuva em pingos glaciais

Cai melancolicamente.


Manuel Bandeira ( 1886/1968 ), poeta, crítico literário e professor de literatura. Cartas de meu avô foi um de seus primeiros poemas, publicado no livro Cinza das Horas, em 1917.

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