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Foto do escritorHatsuo Fukuda

HAPPY DAYS

Para alegrar o dia, nada melhor do que assistir Ary Fontoura no Instagram


Fonte: Instagram


Uma das coisas que alegram a vida, nestes dias tão conturbados, é receber postagens do Instagram de Ary Fontoura. Sei por que os seus fãs, quando falam comigo, sempre transmitem naquela frequência típica das pessoas felizes, que estão em paz consigo mesmas, depois de receberem a sua dose de alto astral aryfontouresca, se me perdoam o neologismo. Para me distrair da malignidade que hoje faz parte do dia a dia do país, volto então ao nosso conterrâneo.

Assisto uma entrevista dada por ele a Jô Soares, em que Ary relembra sua juventude curitibana. Aos dezenove anos, Ary cantava em restaurantes da cidade, indeciso entre uma carreira de ator ou de cantor. O som dos talheres e pratos e conversas dos comensais era mais alto do que as canções que cantava. Em certa altura, uma senhora fez sinal para ele; queria conversar. Era Otília, a famosa cafetina, que dominou a vida sexual e artística de Curitiba durante muitos anos, e era sinônimo de prostituição na cidade. “Vá tomar na casa da Otília!” era um insulto muito comum entre crianças e adolescentes nos anos 60. Ela o convidou para cantar em suas casas. Ela tinha várias, espalhadas por toda a cidade e o Paraná. O Estado, conhecido por ser a Terra de todas as Gentes, naturalmente abrigou também uma cafetina vinda de Alegrete, Rio Grande do Sul.

Ele aceitou o convite, e assim começou a carreira artística de Ary Fontoura.


Na Boca Maldita, neste sábado, encontrei um cidadão que havia frequentado a casa da Otília. Ele me disse que chegou a levar a santíssima esposa a uma das boates, para assistir um show. Perguntei se ela não se aborrecia por ele frequentar a famosa Otília. Ele retrucou, do alto de seus 84 anos: “Ela sabe que eu sou macho.” Pano rápido.


A verdade é que naquela cidade de 150 mil habitantes, havia poucas oportunidades de sexo casual e, principalmente, shows artísticos. E show de Ary Fontoura, entre outros. Um Ary jovem, mas que já tinha para mostrar todo o talento que depois o país descobriria. Otília provia tudo isso.


Ary conta que em uma daquelas noites, pediram a ele para cantar uma canção em homenagem a um dos fregueses. Ele cantou. Depois ele ficou sabendo que o homenageado, que gostava da música – e estava na plateia – era Getúlio Vargas. Otília, segundo conta Ary, era uma velha conhecida de Getúlio, desde os tempos de Alegrete, e de passagem pela cidade, fora visitá-la. Getúlio estava na cidade para a inauguração da Exposição Internacional do Café e do Obelisco do Centenário, na Praça Dezenove de Dezembro. A estátua do Homem Nu ainda não estava pronta, e o Centro Cívico era um canteiro de obras. Estávamos em 1953. Tudo isso seria inaugurado no ano seguinte, pelo futuro presidente Café Filho. O discurso de Getúlio, disponível na rede, é um discurso formal, voltado para a economia e as realizações de seu governo para o Estado e a economia paranaense. Chatésimo.


Muito melhor foi a visita a Otília, que possivelmente ocorreu no mesmo dia, após a inauguração do obelisco.

Lá, ele ouviu Ary cantar uma de suas canções prediletas, que talvez lembrassem a ele do grande amor de sua vida, Aimee, com quem teve um tórrido caso amoroso. E a canção é perfeita para um estadista casado que está apaixonado por uma das mais belas mulheres do mundo, também casada. Preso na armadilha do amor e das obrigações de Estado e de família, não havia saída. Diz a canção:


Son tres palabras

Solamente

mis angustias

Y estas palabras son

Como me gustas!”


Fonte: Getúlio, de Lira Neto.


Mas todos sabem que estadistas não tem coração, ou não podem deixá-lo solto. Assim, dá-lhe um bolero na casa da Otília. Entre um charuto, um uísque e uma canção, leva-se a vida.



A canção cantada para Getúlio foi Tres Palabras, um clássico de autoria do compositor cubano Osvaldo Farrés. Se você já se apaixonou, deve ter ouvido alguma de suas canções. Entre outras, Quizas quizas quizas e Acercate mas. Todo mundo o gravou: Doris Day, Nat King Cole, Julio Iglesias, etc. No Brasil, Caetano Veloso e Gilberto Gil fizeram uma versão, mais uma oração do que um bolero dançante (a verdadeira vocação do bolero). A entrevista de Ary Fontoura a Jô Soares está na rede. Google nele. Vale a pena. Quanto a Aimee, o marido ficou sabendo, e houve a inevitável separação. Aimee foi para Paris, e casou-se com um milionário americano. Em 1941, a revista Time a elegeu uma das três mulheres mais elegantes do mundo, junto com Wallis Simpson, a Duquesa de Windsor, e Barbara Cushing, editora de moda da Vogue americana. A história do caso de amor de Getúlio e Aimee você encontra no segundo volume da biografia de Getúlio, por Lira Neto. Esta biografia lê-se como um romance de aventuras, o que na verdade é. Do tempo em que políticos eram lidos e tinham sentimentos.

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