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Foto do escritorHatsuo Fukuda

MEGALOPOLIS



Megalopolis, de Francis Ford Coppola, estreou e saiu de cartaz. Deixou um gosto de quero mais.


Imagem de Folha de Londrina.



Uma das mais deliciosas frases já ditas no Brasil foi a de Oswald de Andrade, em uma época em que andava esquecido pelos leitores: “Um dia a massa vai comer do meu biscoito fino”. Diz-se que no Brasil a cada quinze anos as pessoas esquecem aquilo que foi feito nos últimos quinze anos. Pois é. Oswald foi redescoberto nos anos 60, e agora, ao que parece, voltou a ser um retrato em branco e preto que as novas gerações desconhecem nome e feitos.


Destino semelhante estaria ocorrendo com Francis Ford Coppola, que, entretanto, insiste em produzir seus biscoitos finos a uma massa que prefere comer fast food na forma dos Cheetos cinematográficos em que Hollywood se especializou. Nada contra fast food. Afinal, nós somos a favor de comida de botequim, e hoje o botequim padrão do Império Galático é uma cadeia de fast food. Quem somos nós para brigar contra os hábitos imperiais?


Megalopolis é comida italiana autêntica, com pasta produzida pelo próprio dono, com um suculento molho feito com tomates maduros por ele mesmo plantado. A osteria de Dom Coppola reabriu, e seus pratos são aqueles que você esperaria encontrar em uma osteria de um velho italiano de 85 anos. Uma boa pasta – mas não vai ganhar 3 estrelas no Guia Michelin – mas preparada por ele mesmo – um bom vinho – mas não está listada por Robert Parker nem será jamais encontrado no Wine Spectator. Um especialista em degustação de vinhos e pastas não entraria lá. Quem entrar, entrará para matar a fome.


O velho italiano, com tantas histórias para contar, deu para divagar. Assim como ele amassa a pasta como sua nonna fazia, ele conta histórias como Hollywood – sua família ampliada – costumava fazer. Conta uma história como Don Corleone fala a seu herdeiro, Michael; uma lembrança traz outra, e outra. Uma explícita e despudorada homenagem às superproduções de antigamente, que o bom studio system costumava fazer. O narrador (Lawrence Fishburne) parece ter saído diretamente de Ben-Hur, com toda solenidade possível. Mas a narrativa e as cenas às vezes parecem camp, resvalando quase para a obscenidade. Há outras, outras e outras citações (cinematográficas), numa costura quase caótica, cheia de pontas soltas. Mas cenas e diálogos ressoam e permanecem na mente (o mundo digital já começou a se apropriar de imagens e cenas icônicas) e continuarão, como aconteceu com outros fracassos de bilheteria. Coppola parece dizer: eu sei o que vocês fizeram no verão passado, e isso eu reivindico como meu, mas à minha maneira.


O velho italiano traz consigo a sabedoria da velha Europa. Assim como o siciliano trouxe para as ruas de New York a sabedoria das guerras de sangue – uma sabedoria ancestral, alimentada por séculos de guerras de clãs e famílias – trouxe também as velhas lições culturais da Europa. E dá-lhe Shakespeare, Marco Aurélio, Safo, e tudo aquilo que aos olhos de um chefão de estúdio não passa de lixo. O que significa um Cesar diante de um dos Vingadores? Safo diante de uma apimentada cena de sexo?


E o maestro, alimentado por atores como Adam Driver, que sozinho faria o espetáculo, recheia as telas com citações literárias que soam verdadeiras e ao mesmo tempo nos dão a impressão que velhas sabedorias já não mais tem lugar neste nosso mundo. Ou tem? A pergunta ressoa, embora não tenha sido feita. Haverá um lugar no mundo artificial e midiático – instantâneo – para essas antigas reflexões? Claro que só na cabeça de um velho sonhador.


A utopia de que fala o filme está calcada em velhas histórias contadas por antigos romanos. O livro de cabeceira dos antigos, Plutarco, com seus personagens cheios de grandeza e humanidade lá está, vestindo a fantasia de políticos poderosos e midiáticos, como Shakespeare costumava fazer em seu tempo, em seu teatro. Coppola parece dizer: eu sou aquilo que ele foi, mas o meu teatro é Hollywood. Um pouco de pantomima, um pouco de pastelão, umas patetices aqui e ali; às vezes soa como se Cesar fosse, shakespeariano.


Aubrey Plaza, que faz o papel de Wow Platinum, explicou como foi a filmagem de Megalopolis. Era uma espécie de trupe teatral, onde o dono (Coppola vendeu uma vinícola para financiar o filme), reuniu um bando de atores e os inspirava a atuar. Os atores que ele reuniu, além de Driver, que é famoso pelas suas imersões nos papéis que desempenha: Jon Voight, Dustin Hoffman, Shia Labeouf, Talia Shire, Laurence Fishburne, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel. Inspirá-los a atuar? Fishburne havia trabalhado, no início da carreira, em Apolycapse Now, The Cotton Club e Rumble Fish (todos de Coppola). Sabia o que esperar do velho carcamano. O que dizer de Hoffman e Voight? Fizeram um clássico juntos, Midnight Cowboy, em 1969, que ganhou um Oscar de melhor filme e melhor direção, e ambos foram indicados para melhor ator neste filme. Eles são macacos velhos neste negócio, e já brincavam de atuar antes dos anos 70. E Talia Shire? Deixa pra lá.


Os velhos atores, tarimbados, sentiram-se confortáveis na trupe reunida por Coppola. Os jovens, como Aubrey Plaza, ao que parece, ficaram atônitos em saber que poderiam escrever cenas, e se comportarem como se fossem uma trupe teatral, onde improvisação, colaboração e reescrita do texto eram benvindos. Numa produção de 120 milhões de dólares? Não necessariamente seriam aproveitados pelo diretor e escritor Coppola, que afinal levara apenas 40 anos para escrever o filme.


Esta pasta foi muito, muito boa. Às vezes áspera, às vezes delicada. Às vezes mal costurada? Com certeza. Exagerada? Como uma festa de família onde todos se conhecem e se sentem à vontade. Ninguém está precisando fazer tipo. Somos o que somos. Pode repetir o prato quantas vezes quiser. Amanhã faremos dieta e vamos atrás de um corpo longilíneo e instagramável. Amanhã faremos um filme com cortes dinâmicos, diálogos inteligentes, fotografia cult. Hoje é dia de festa de família. The Godfather faz 85 anos e continua matador.



Minha crítica predileta, Isabela Boscov, não gostou do filme. Você pode ver os comentários em seu canal do Youtube. Como sempre, é maravilhoso vê-la criticando um filme. Vale a pena. Além disso, ela fez uma entrevista com o velho mágico. Ou Coppola entrevistou a Boscov? É um diálogo supimpa, como diziam antigamente. Mas mantenho minha opinião. É um grande filme e vai ser assistido enquanto houver cinema no mundo. E Aubrey Plaza colocou seu nome no panteão das grandes estrelas de Hollywood. Ela é uma assassina fria, como Dom Corleone.

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