Um poema de Manuel Rosa de Almeida sobre a vida.
Medir o tempo é insensato.
Quantos minutos, quantos segundos
Nunca saberei ao certo, mas
Sei que poucos, de fato,
O tempo que medeia fugaz
A escuridão e o mar com o sol ao fundo.
Pelas falésias de Torres passeava
No palco verde, ainda orvalhado,
Imensidão de mar e céu delimitado
Pelo paredão de abrupto basalto.
Ver o sol nascer, só, eu ansiava
Em toda sua glória, sentado no alto.
Sob a luz mortiça que crescia
Um vulto ao longe divisado
Alguém que vermelho vestia
À beira do abismo estacado.
Pensei, afinal terei companhia,
No espetáculo com horário marcado.
Só quando aproximei-me suficiente
Percebi que a moça não estava ali
Para celebrar a vida, mas a morte.
E no momento mesmo em que sente,
Preparar-se para o salto e o final corte
Gritei e para ela correndo investi:
-- Ei! Não tinha percebido, até então,
Minha presença e a inesperada interrupção
Travou em meio a corrida final.
Virou-se a um passo apenas do vazio
Algo de surpresa, algo de desvario
E cravando-me olhos profundos, fez sinal.
Tristes, aproximando-me percebi
Profundamente tristes, quando mais perto
Cheguei. E negros, tão profundos e negros
Como a mais profunda tristeza que já vi.
Percebi que estava, naquele local deserto
Vivendo um trágico conto dos gregos.
Disse-me alucinada: -- Nem mais um passo!
Fazendo menção de atirar-se.
Confuso, imóvel, pensei quais
Razões teria ela para entregar-se
À busca do vertiginoso abraço
Com as duras pedras fatais?
Parecia alguém que veio da festa
Vestido de noite vermelho, maquiagem
Borrada nos olhos de tanto chorar.
Descalça, porém. Da viagem funesta,
Os sapatos pretos postos à margem
Seriam poupados da morte no mar.
Como advogado estúpido da vida
Perguntei: -- Por que tirou os sapatos?
-- Gosto deles. Respondeu simplesmente.
Era preciso discurso inspirado, sensato,
Se fosse salvar. Mas a resposta ouvida
Trouxe nova esperança à minha mente.
-- Não faço a menor ideia, que rasteiras,
Que desespero, que golpes doridos
Conduziram a este caminho letal.
Mas uma certeza tenho, afinal:
O mundo sempre pode ser lido
De duas ou mais maneiras.
Ao ouvir minha palavras, sua expressão
Foi de quem estava cansada de vazias
Promessas, arengas, pregação,
Discursos tolos em horas sombrias.
Entendi e disse: -- Não com centenas,
mas posso provar com três palavras apenas.
Ela deu mais um passo desafiador
Colocando-se ao lado do precipício.
-- Muito bem… Prove, sabe-tudo.
Mas se não puder ou ficar mudo,
Será você de minha morte fiador
E levará as penas de meu sacrifício.
Precisava roubar da morte a namorada
E declarei: -- Não se precipite!
A princípio pareceu decepcionada
Depois o pensamento pôs à testa uma ruga
Então… um brilho fugaz nos olhos grafite
E um sorriso que todo seu rosto aluga.
Avançou para mim, a mão estendeu,
Em tons laranja carmim o sol nasceu...
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