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O TEMPO


Este que corrói a memória e as expectativas.


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Imagem de Melissa Zampronio feita por IA com Canva.



Este que corrói a memória e as expectativas. O tempo. Ele, e apenas ele, é que trará, por outro lado, tudo de volta. Como a mansa maré que tudo retira e que tudo traz, as oscilações do tempo são constantes o suficiente para que delas se espere mudanças. E às vezes nada há de ser feito além de sentar-se num canto qualquer e observar as coisas se realinharem. O que houve exatamente há um mês? O que sentia eu, nessa mesma hora, dez anos atrás? Quais expectativas morreram em mim das quais nem me dei conta… simplesmente porque os dias se passaram? E quantas falhas na memória distante já me protegeram dos perigos presentes?


Por meses eu descansei em mim e repousei numa espécie de chama branda. De forma paciente, talvez por desesperança, mas esperei. Esperei que os encaixes aqui dentro pudessem se encontrar sem tanto esforço. E isso aconteceu. E isso acontecerá.


Ao olhar ansioso, como castigo à pressa, não se pode notar os movimentos autônomos de assentamento dos dias. À semelhança do pó que encontra, lentamente, o chão, aquilo que chamamos realidade vai encontrando o tecido eterno da memória para descansar. Contudo, mesmo que eterno, não significa que permanecerá imutável. Ficarão as memórias acessíveis de maneiras outras, ou ainda inacessíveis em alguns momentos. Ou talvez para sempre. 


Por compaixão ou maldade do tempo, experimentei as surpresas e decepções de lembranças que aparecem como balões no céu, e as observei com carinho, voltando para longe no mesmo momento em que as tinha muito perto. São voláteis e pueris. São intocáveis. É isto que o tempo faz com o presente: transmuta-o em um fenômeno particular, que exige certo treinamento para que se possa acessá-lo novamente, agora no lugar do passado. 


O tempo pode ser ingrato; o tempo pode ser uma bênção. O que o tempo não é, dizem (e me disseram vozes baixas cá detrás da nuca), é obediente de nossas vontades. Ainda que dele se possa extrair certezas – como as de que algumas dores se dissiparão –, é fato que não seguirá o teatro humano nem cumprirá promessas feitas à meia luz. “Jamais vou te esquecer”. “Espero não me recordar disso”. E toda a sorte de apostas que fazemos com o tempo são absolutamente inócuas. Há de se ter, dizem, a paciência dos anjos e os nervos dos soldados.



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