ODE À NEGAÇÃO DOS INDÍCIOS
- Melissa Zampronio

- 4 de jul.
- 2 min de leitura
... para que eu virasse a ponta dos sapatos para os passos rumarem outras atitudes.

Imagem de Geminni IA.
Observei atentamente a sombra, a qual me disse, entre a penumbra e a linha última antes da luz, aquilo que refleti ser perfeitamente o que pretendo afastar de mim. A extensão do contraste uniforme entre claridade e a ausência desta me desencadeou pensamentos cada vez mais nítidos, tal como o carro que suavemente acelera e mantém constante a boa trilha até o destino. E mesmo nos dias de visão turva e percepção distorcida, foi evidente a separação entre o mentalmente sustentável e o ciclo podre de uma loucura feita espasmo de tosse seca, sem fôlego.
Esse julgamento e todas as circunstâncias da decisão dura e urgente mostraram-me não o mundo de possibilidades sem várias das limitações que experimentei, mas a fração bastante para que eu virasse a ponta dos sapatos para os passos rumarem outras atitudes.
Como caminhos mais curtos que se pega para fugir da chuva forte, abreviei conscientemente desconfortos já instalados em minha carne. Não foi isso, contudo, capaz de me gerar qualquer tipo de arrependimento. Veja: a cansativa persistência nas palavras floresceu em mim capacidades maravilhosas e densas a respeito da realidade - e, de forma muito semelhante ocorreu com minha esperança lúcida e com minha incansável coragem de sentir, o que me trouxe a certeza de não me arrepender jamais. Nem por segundos sequer cogitei recolher a mão quando a vida me chamara à dança; nem por dissimulação o fato de guardar sentimentos vivos e pulsantes, porque nada valeria a frustração por não ter tentado. E por não ter sido tentada a descobrir os limites seguros de minha melhor parte.
Segurando o bastão maciço da coragem e da gentil teimosia, mostrei às almas mais envoltas pela penumbra - num gesto óbvio de superioridade emocional (e por que não moral?) até onde é possível avançar no oceano da condição humana. Admito que, por vezes, senti-me vulnerável e boba, porém com o norte fixo de encontrar e mostrar às pessoas que não existo para situações rasas nem para desprendimentos disfarçados de autocontrole.
Disso, tiro que a coleção de sombras pelas quais fixei atentamente os olhos é tudo o que pretendo evitar e é o exemplo mais inteligível daquilo que desprezo. Acrescento à minha tranquila cabeceira de cama, com a sensação de ter vencido mais uma fase ruim, mas necessária, a gratidão reconfortante de, com a técnica da alquimia emocional transformadora do imprestável em valorosas lições, ter aprendido mais uma vez o não caminho.
Jogo, por fim, às piranhas famintas dos meus devaneios e suores da madrugada a sentença dos meus dias extensos e felizes, diria, e com o alívio de ter jogado em braços alheios a carne e os ossos dos quais tristemente desacreditei.










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