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ROBERTO CARLOS VOLTA A CURITIBA

Roberto Carlos está no imaginário brasileiro desde os anos 1960. Ele expressa melhor do que ninguém os sentimentos mais profundos do Brasil.


Roberto Carlos está no imaginário brasileiro desde os anos 1960. Ele expressa melhor do que ninguém os sentimentos mais profundos do Brasil.


 A permanência de Roberto Carlos, durante tantos anos, é um caso a se pensar. Na arte, como na política, os personagens mudaram. Mas ele continua, e suas canções tornaram-se clássicas. Ou seja, continuam a ser ouvidas pelas novas e velhas gerações.


Uma das canções clássicas de Roberto Carlos é aquela em que ele diz que tudo que é bom é imoral, ilegal ou engorda. Milhões de fãs imediatamente se identificaram com a frase, mesmo que em sua maioria fossem gente careta, pouco dada a imoralidades e ilegalidades. Com certeza, o grande pecado de seus ouvintes é o excesso de peso. Violar a lei e os princípios morais passam longe do dia a dia de seus admiradores. Eles são gente que nos anos 60 eram crianças ou adolescentes e se encantavam com as tardes de domingo da Jovem Guarda. Hoje aqueles jovens que começaram a usar cabelos compridos, calças justas, camisas com cores berrantes e, last but not least, começaram uma revolução nos costumes, tem setenta anos ou mais.


E continuam a ouvi-lo, embevecidos hoje como há sessenta anos.


Eles eram revolucionários inscientes, aquelas crianças bobinhas. Grandes questões eram a Guerra Fria, a Revolução Cubana, a Guerra do Vietnã, a luta de libertação dos povos do mundo, o comunismo chinês. Quem não estivesse antenado nestas questões não passava de um alienado.


Cabelos compridos? Coisa de viado. Mas eles começaram a deixá-los cada vez mais longos.


Terno e gravata? Esqueça. Calças justas, boca de sino, camisões ultracoloridos, botinhas. A calça jeans, hoje onipresente, tornou-se uniforme da juventude descolada.


E, é claro, os tímidos amassos no cinema com a namoradinha se transformaram na grande revolução sexual que hoje é o novo normal.


Para trás ficaram aqueles boleros que exaltavam uma moralidade rançosa (“solamente una vez, y nada más”) e que não expressavam a efervescente e irresistível necessidade dos hormônios juvenis.


Esta revolução nos costumes tornou-se mainstream.


E as grandes e urgentes questões políticas da época?


O Vietnã hoje acolhe as grandes empresas multinacionais. Seu comunismo (na realidade, nacionalismo radical), integrou-se ao mundo capitalista globalizado. Os soldados americanos de ontem são turistas hoje.


A China, depois de Deng Hsiao Ping, promoveu a maior revolução capitalista do Século XX. O comunismo é só fachada para uma selvagem guerra empresarial onde sobrevivem os mais fortes.


A Guerra Fria acabou com a derrota do socialismo. O capitalismo venceu, e hoje, Putin está aí para mostrar que a União Soviética era apenas uma das faces do velho imperialismo russo.


Cuba é um dos países mais pobres da América Latina, e todos que podem fogem do paraíso socialista. Melhor limpar banheiros em Miami.


Roberto Carlos não sabia nada disso. Ele não era dotado de onisciência. Apenas seguiu seus instintos. E estes diziam para acompanhar a grande corrente da vida. Assim viveu, quase sempre alheio aos temas que os mais sábios diziam ser os mais importantes.


Uma canção do exílio para a diáspora política brasileira nos anos da ditadura, escrita pelo mais alienado dos cantores brasileiros. Alienado?

Ao tempo do regime militar, Caetano e Gil seguiram para o exílio. Em Londres, um dia, bateram na porta do apartamento (eles, à moda da época, moravam numa comunidade riponga). Era Roberto Carlos, o maior símbolo da juventude alienada, que não se interessava por política, e era indiferente à luta contra a ditadura. Ele se sentou e cantou “As curvas da estrada de Santos”, o que fez Caetano chorar como um bezerro desmamado (enxugou as lágrimas no vestido de Nice, mulher de Roberto). De volta, Roberto compôs uma canção em homenagem a Caetano. A canção dizia: “debaixo dos caracóis de seus cabelos, um soluço e a vontade de ficar mais um instante”. Uma canção do exílio para a diáspora política brasileira naqueles anos difíceis.


O Rei Roberto Carlos conhecia seus súditos como ninguém, e melhor do que todos sabia expressar os sentimentos mais profundos do Brasil profundo (aliás, é o que disse Caetano Veloso).


Ele está agora com 82 anos e continua ativo. Está em turnê pelo Brasil, e Curitiba foi contemplada.


Não sei se os jovens ainda o escutam. Não sabem o que estão perdendo.



Roberto Carlos estará no dia 23 de março, na Arena da Baixada. A frase “Tudo que é bom é ilegal, imoral ou engorda” é da personagem Terry McKay, no filme Love Affair, de Leo McCarey, de 1939. Acho que é um senso comum, mas não conheço outro registro, além deste. A permanência de Roberto Carlos, durante tantos anos, é um caso a se pensar. Na arte, como na política, os personagens mudaram. Mas ele continua, e suas canções tornaram-se clássicas. Ou seja, continuam a ser ouvidas pelas novas e velhas gerações.


Este post foi redigido quando Roberto Carlos esteve em Curitiba pela última vez. Achei oportuno reapresentá-lo para nossos novos leitores, agora que ele se apresentou no Teatro Positivo.


Hatsuo Fukuda


Hatsuo Fukuda, careta total, gosta de Roberto Carlos.

Hatsuo Fukuda é um careta e gosta de Roberto Carlos.

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