Foi a grande intérprete dos sentimentos e necessidades de uma juventude urbana sem voz, abandonada que fora pelos deuses da ex-MPB.
Imagem de Correio do Povo.
Com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, cassando o deputado Deltan, um dos memes que fizeram sucesso nas redes foi de uma foto do senador Moro, ao lado do deputado, em que este dizia: “Agora só falta você”. Uma citação de uma canção hoje clássica de Rita Lee. Vou deixar passar a discussão sobre a justiça da decisão. Este debate fica para os salvadores da Pátria, lulistas, bolsonaristas, lavajatistas e todos os istas que diariamente resolvem os problemas do país no WhatsApp. Aqui só discutimos abobrinhas, a mando do Publisher, que não confia na minha capacidade de discutir problemas de alta indagação. O que chamou minha atenção foi como uma canção quase obscura, lançada nos anos 70 (1975, no LP Fruto Proibido) havia se incorporado ao imaginário nacional. Ninguém precisou explicar a citação. Todos a conheciam.
Este álbum, de Rita Lee e a banda Tutti Frutti, que se tornou antológico, incluía também Ovelha Negra – que se tornou um hino – e Esse tal de Roque Enrow – outro hino. A sonoridade havia mudado. As experimentações sonoras dos Mutantes (na linha da Tropicália e das revoluções estéticas dos anos 60) haviam ficado para trás. Aqui e ali, no álbum Fruto Proibido, registravam-se os primeiros acordes do futuro e glorioso embarque de Rita Lee no mainstream da música popular brasileira, em parceria com Roberto de Carvalho. A grande estrela já estava presente, ainda restrita aos guetos da cena roqueira nacional, mas ensaiando passos para outros vôos.
A revolução, como sempre, começa com alguns poucos iniciados, ovelhas negras do então mainstream da MPB, nostálgicos da animada balbúrdia dos festivais da TV Record dos anos 60. Recorde-se que poucos anos antes, um grupo de músicos fazia passeatas contra guitarras elétricas. Defendiam a pureza da musicalidade nativa contra a influência (terrível, nefasta) do imperialismo americano, cuja arma insidiosa, a guitarra elétrica, traria a alienação dos verdadeiros valores musicais da nacionalidade. Uma gente séria e sisuda. E mal humorada.
Rita Lee, com seus fresquíssimos vinte e três anos (quando lançou Fruto Proibido), era outra história. Ela dizia:
“Comer um fruto que é proibido/Você não acha irresistível?
Nesse fruto está escondido/O paraíso
Eu sei que o fruto é proibido/Mas eu caio em tentação”
Que tentação, pessoal. E ela cedeu a todas. Com a parceria musical de Roberto de Carvalho, a jovenzinha roqueira, mas madura sob todos os aspectos, atravessou o Rubicon, e deixou o gueto da piazada, transformando-se na grande intérprete dos sentimentos e necessidades de uma juventude urbana sem voz, abandonada que fora pelos deuses da ex-MPB. Esta, naqueles anos, partiu lentamente, no início, depois aceleradamente, ao gueto da canção folclórica a que hoje está relegada.
A nova voz gostava de sexo e risadas. Adeus ao solene canto do muezim:
“Me faz de gato e sapato/E me deixa de quatro no ato/Me enche de amor.”
Greve?
“Eu faço greve/Até você me amar ou dar um pontapé/
Eu sou uma praga/Maria sem vergonha do seu jardim/Você tem ciúme, mas gosta de me ver rebolar/Eu topo tudo/Sou flor que se cheire em qualquer lugar”.
Uma deusa pagã cantava os prazeres do sexo, da dança, do flerte, da música, da brincadeira do momento vivido e gozado.
Que falta ela nos faz. Que saudade da Rita. Mas ela já (lá atrás) tinha nos advertido:
“Pra que sofrer com despedida/Se quem partir não leva/Nem o sol, nem as trevas/E quem fica não se esquece/Tudo o que sonhou?”
Adeus, querida.
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