Lembranças de um tempo que se foi...
Fonte: Wikipedia
Terminava-se o antigo Grupo Escolar Prieto Martinez ao final dos 4 anos e fazia-se um exame de admissão ao Ginásio. E lá fui eu. Três dias seguidos de provas, em seguida percorrer ansiosamente os editais de classificação. Lembro-me que muitos anos depois me dei conta que no exame vestibular a prova de redação era muito menos exigente que aquela que fiz no exame de ingresso ao Colégio Estadual.
Orgulhosamente passei a fazer parte do corpo discente do Colégio e passei a percorrer os corredores e escadarias. Uma biblioteca imensa, onde li Charles Dickens – que nunca mais li -, Simenon – eles tinham todos os livros do Comissário Maigret – Jorge Amado – com a anuência ou cumplicidade da bibliotecária – muito “picante” para jovens – e muitos outros. Minha primeira frustração: comecei a ler – e não consegui – e ainda não li – Proust. Muita areia para meu caminhãozinho jovem.
Percorrer os gramados do colégio atrás de segredos. Um talo de capim era enfiado, delicadamente, no buraco, e quando retirado, cuidadosamente, vinha o inseto. Na vida, descobri depois, também é assim. Os segredos se escondem, sorrateiros, mas vêm, quando sutilmente atraídos. Ainda hoje não sei o que é um segredo. Mas os naturalistas sabem.
Caminhadas no pátio com alguns colegas. Às vezes, longas conversas. O mundo era diferente do pequeno mundo doméstico onde vivíamos.
O jovem desajustado não se enquadrava. Entrei para a fanfarra do Colégio, na expectativa de melhorar minha aceitação social. E candidamente pedi para tocar corneta. O maestro Isaac – que também era nosso professor de música – me selecionou, apesar de minha absoluta ignorância musical, que ainda persiste, como se escolhesse um cavalo: examinando meus dentes. Era necessário uma boa embocadura.
Ao final dos ensaios, no começo da noite, os músicos de verdade se reuniam na arquibancada da piscina. Anoitecia, e na bela noite estrelada e fria de maio, trumpetes, flautas, saxofones apareciam. Alguém acompanhava com uma caixa. Conheci Louis Armstrong, meu amigo ainda hoje. Muito tempo depois, disse para meu filho que a música um dia talvez o salve do desespero. A mim, naquelas noites frias, salvou da miserável solidão de adolescente.
Fumei meu primeiro cigarro, do outro lado do campo de futebol, encostado no muro. Ainda se fumava cigarro que se vende nas bancas.
O professor Ruy Wachowicz contando sobre a incursão de Cabeza de Vaca até o Paraguai. Estudávamos História do Paraná em seu livro. Fascinados, ouvíamos suas histórias. Em uma aula inaugural, no grande auditório, irritado, ele dispersou a turma de arruaceiros dizendo: “Os cavalos podem se retirar para suas estrebarias.”.
Para agradar meu mestre, o grande professor Eliud Borges, escolhi ler Grande Sertão Veredas, que percorri maravilhado, até o final maravilhoso. Laborioso, mas prazeiroso, página a página.
Tenho medo de reler e não reencontrar o deslumbramento do adolescente que já fui.
Minha turma: ainda hoje se encontra, em almoços anuais, pelo menos, e um bar aqui e ali. Sempre cantamos o hino do colégio. A primeira vez que os encontrei, no Bar do Pudim, saudei-os, feliz, um pouco bêbados, reconhecendo um e outro. Eles também ainda guardam a fascinação dos dias da juventude.
Há mais, muito mais, mas fica para a próxima.
Em um algum momento, nossa terra viveu a felicidade de construir um novo mundo. O Colégio Estadual do Paraná, fruto do esforço de Maneco Facão e Moisés Lupion, materializa essa crença. Foi, em sua concepção, um portal de entrada no mundo desenvolvido, contrastando com a indigência reinante no Paraná e no Brasil. Nunca houve um colégio como este.
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