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CAIO BRANDÃO, EX-PRESIDENTE DA SANEPAR, NARRA SUAS AVENTURAS NO PARANÁ

Caio Brandão, ex-Presidente da Sanepar, conta suas aventuras em terras paranaenses. Champanhe e caviar para lobistas.
CAIO BRANDÃO, UM MINEIRO EM TERRAS PARANAENSES, CONTA COM HUMOR SUAS AVENTURAS CURITIBANAS.

Caio Brandão, nosso novo colaborador, é uma pessoa muito conhecida em Minas Gerais, onde exerceu vários cargos na iniciativa pública e privada. Entre suas inúmeras aventuras, ele exerceu, no Paraná, o cargo de Presidente da Sanepar, nos anos 2003/2004, quando Roberto Requião era governador. Para entender o personagem, leia o artigo que o jornalista Celso Nascimento publicou sobre ele, em sua coluna na Gazeta do Povo.


Caio, um homem famoso por sua competência empresarial e política (exerceu vários cargos nos governos de Itamar Franco e Newton Cardoso, entre outros, e na iniciativa privada), é antes de tudo um conhecedor da alma humana. Em suas crônicas – às vezes implacáveis - a empatia com os personagens talvez seja o traço mais marcante, daí derivando o bom humor e a leveza com que narra as situações mais bizarras.


Com um vasto currículo como advogado, empresário, político, viajante contumaz, ele se autointitula apenas jornalista, nas colunas que costuma publicar no centenário Diário de Minas (fundado em 1866), o que diz muito sobre quem ele é.


A narrativa desta aventura de Caio Brandão em terras curitibocas foi originalmente publicada no Diário de Minas.

(Redação)  


SAIU CONVENCIDO DA PROPINA CORRENDO SOLTA NA SANEPAR


Caio Brandão


A minha passagem pela presidência da Sanepar, empresa pública do setor de saneamento, uma das jóias da coroa do Paraná, acarretou embates indigestos ao longo dos 11 meses na qual permaneci, até resolver pegar o boné e chutar o balde. A companhia faturava à época e já se passaram mais de 20 anos, valor bruto superior a um bilhão de reais anuais, e a minha presença, na cadeira cobiçada, angariava desafetos agressivos, alguns deles com livre trânsito e influência no Palácio Iguaçu. Mas, também tive momentos de diversão, em meio a protagonistas vários, que gravitavam no entorno da Sanepar e privavam das minhas atenções, destacando-se, dentre outros que serão lembrados em crônicas futuras, Mauro Fregonese, especial amigo, e Gentil L. do Nascimento, não menos especial, já falecido, que enriqueceram memórias que armazeno indeléveis.


Mauro sempre foi singular. Um expert na arte de prospectar e viabilizar oportunidades comerciais e fazer valer o seu faro aguçado, que se espraiava em muitas direções, especialmente na iniciativa privada, mas sempre atento ao cenário do setor governamental. Tive, com o Mauro, uma experiência curiosa, muito antes de assumir a Sanepar, quando viajamos a Buenos Aires, no seu jato particular, ele sempre gostou desse brinquedo e teve mais de um, para reunião com empresários locais. O tema era uma inovação no tocante a construção de casas de baixo custo, representada por produto chamado “Tijolito”. Tratava-se de um tijolo, feito de barro, como todos os outros, mas enriquecido por componente diferenciado que lhe imprimia rigidez a baixo custo e enorme durabilidade. No mais, em que pese o seu design inovador, era um tijolo comum. Fomos para a reunião animados, mediante perspectiva de contrato milionário, haja vista o exacerbado interesse do empresariado portenho pela novidade. A reunião começou descontraída, com questionamentos técnicos e comerciais acerca do famoso tijolo, inclusive com a apresentação de slides em meio de penumbra recomendada, necessária à nitidez dos slides elucidativos projetados. Finda a apresentação e com o retorno da iluminação, verificamos que as amostras dos tijolos, que se encontravam sobre a mesa, tinham simplesmente desaparecido. Havia mágico no local o que nem o Mauro e sequer  eu, sabíamos. Mas, resignados e sem discussão, agradecemos a presença de todos e seguimos para um bom restaurante, encerrando a tratativa milionária, que se resumiu na evaporação obscura do objeto do contrato. Nada como vinho de qualidade para sepultar insucessos.


Gentil teve trajetória de altos e baixos na vida empresarial, com predominância de fases negativas, que se alternavam indisciplinadas e recorrentes. Não respeitava regras e os seus limites se tornaram abusivos, porque vinha lutando contra câncer agressivo, estava descapitalizado, afastado dos familiares e tentava sobreviver, também financeiramente, para custear remédios importados e de alto valor. Algum tempo depois de assumir a Sanepar soube, através do Mauro, que o Gentil estava instalado em hotel de muitas estrelas, fazendo abordagem de negócios no meio empresarial do setor de saneamento, em Curitiba, e sendo agraciado, generosa e frequentemente, com mimos gastronômicos importados, inclusive com champanhe, caviar russo e outras iguarias incomuns.


O que eu não sabia é que o Gentil recolhia os referidos mimos para, segundo alegava, repassar ao presidente da Sanepar, no caso, eu, que nada sabia a respeito. Gentil era uma figura carismática diferenciada e sofrida, a quem sempre perdoei alguns deslizes, mas não desse naipe, comportamento que merecia um corretivo. Assim pedi ao Mauro que marcasse almoço com conhecido empresário curitibano, nada menos do que o equivocado e incauto fornecedor das iguarias. Cheguei ao local disposto a fazer acareação e esclarecer os fatos, o que realmente aconteceu, mas guardadas as cautelas de estilo, em face da delicadeza da circunstância. Segundo o empresário, as despesas importavam em cerca de dez mil reais, valor que, educadamente, pedi ao Gentil que devolvesse. Gentil, nada tendo a perder, com o jeito peculiar e à sombra do seu enorme nariz, olhou nos olhos do empresário e disse:


Devolver?? Nunca!!!! Esse cara é um otário e otário tem mais é que tomar no cu”.


Respirei fundo, fiz sinal para o Mauro, nos levantamos e, simulando a direção do banheiro, saímos rápido do restaurante abandonando o cenário tragicômico, coisas da vida.


Mas o inusitado da situação foi preocupante. Mauro se prontificou a apurar a extensão da capilaridade das investidas de Gentil, inclusive com a participação investigativa do José Mendes, nosso agente secreto preferencial que, aliás, em que pesem elucubrações sinistras, nada trouxe de esclarecedor, além de algumas perversidades fora de contexto, mas devidamente anotadas.


Contudo, a origem do prestígio conquistado pelo Gentil veio à tona. Ele havia pedido cem reais emprestado ao Hildebrando Mota, meu assessor e companheiro de muitas jornadas, então designado para prestar serviços à Comissão Especial de Licitações da Sanepar. O Brando, como era conhecido, não tinha sala privativa e compartilhava o espaço com os demais funcionários do setor. Gentil chegou acompanhado de notório empresário, conversou abobrinhas com Brando, fez a apresentação do parceiro e se despediu. Caminhando em direção à porta parou, girou o corpo sobre os calcanhares e, em sussurro quase inaudível, e friccionando em movimentos rápidos e vigorosos a base do dedo polegar sobre a ponta do indicador, disse para o Brando:


 “Ho! aquela graninha está a caminho”, e se retirou rapidamente, enquanto o Brando agradecia, com o braço esticado e o polegar empinado.


O empresário que o acompanhava, achando tratar-se a “graninha” de alguma propina robusta, derivada de processo licitatório fraudulento, se quedou encantado pelo Gentil, a quem passou a tratar com reverência e a custear algumas de suas despesas cotidianas mais onerosas. Face ao ocorrido, Gentil ganhou fama entre alguns empreiteiros e, não fora a argúcia do Fregonese, em levantar a questão, a polícia ia acabar sendo chamada a intervir. Gentil, de quem permaneci amigo, sempre mas mantendo distância técnica, quando necessário, ganhou passagem de retorno para Belo Horizonte, vindo a falecer dois meses depois, contando com minha assistência e as minhas orações.


Há!, meu amigo Mauro, bons tempos, rimos bastante e nos divertimos, inclusive, quando da notícia da queda de um dos membros do Conselho de Administração da Sanepar, meu desafeto, que estaria sendo fritado e defenestrado. Fui ao delírio, mesmo fora da Companhia, porque a queda do indivíduo vitaminava o meu ego. A minha vertente vingativa pediu ao Mauro, por telefone, que, de madrugada, antes da realização da Assembleia Geral da companhia, mandasse colocar uma faixa enorme defronte à sede da mesma, na rua Engenheiros Rebouças, sendo as letras, em vermelho com a seguinte frase: “Já vai tarde”. Mas a queda do indivíduo foi adiada. Localizei o Mauro às 3 da manhã. O homem da faixa era um tal de Negão, de quem o Mauro, na urgência, não conseguia localizar o endereço e sequer o número do telefone. O tiro sairia pela culatra e foi preciso colocar olheiros nas esquinas, para cercar o Negão e recolher a faixa. O Negão foi encontrado, mas não era negro, ao contrário, era loiro e tinha olhos claros. Coisas do Paraná, porque Negão na minha terra tem que ser preto, senão é genérico.


Caio Brandão, jornalista

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