Carta de Caio Brandão para Silvia Gabas
- CAIO BRANDÃO

- há 2 dias
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Minha cara Silvia Gabas:
Recebi, hoje, através do WhatsApp, enviado pela colunista Katia Lage, que marcou época nos bons tempos das colunas sociais da imprensa mineira, texto de sua lavra gerado em desfavor da renomada e consagrada atriz Fernanda Torres, a quem não tive a honra de conhecer pessoalmente.

Referido texto, temperado com as tintas do melindre, tenta imprimir na premiação internacional alcançada pela talentosa atriz as cores de algo impróprio e imérito, porquanto o filme, ora festejado, que retrata período controverso dos idos de 64, estaria incorrendo em nota dissonante com o momento atual, “quando políticos, jornalistas e cidadãos comuns estão sendo perseguidos, censurados, presos e exilados”. E, ainda, condena com exacerbo a eventual relação de proximidade da referida atriz com o casal que ocupa, em alternância, o Palácio do Planalto, no Distrito Federal.

O seu desconforto com a fita e com o contexto em que tenta situar o filme “Ainda Estou Aqui”, não leva em conta o trinômio entretenimento x faturamento x lucratividade, cujas três partições ensejam a sobrevivência das artes em geral e daqueles que a elas se dedicam.
Vale lembrar que Frédéric Chopin, o intérprete sublime e poeta ao piano, jamais cogitou saber a quais desmandos e barbaridades se dedicava a realeza a que ele se propunha entreter com arte e a magia de suas mãos delicadas. A genialidade de Chopin teria, elucubrando, o seu fim em si mesma, porquanto não se postou seletiva no tocante ao seu meio e aos patrocinadores de plantão aos quais desenfadava, em face do tédio reinante à época, e o fazia com dedicação e brilho. Era um artista, simples assim, como a nossa vitoriosa Fernanda Torres.

Recentemente, em todo o mundo, as salas de cinema quedaram-se atraídas pelo lançamento do filme Oppenheimer, cuja plateia lotou os salões, em meio ao reconhecimento da qualidade da fita e, sem, no entanto, adentrar o mérito dos efeitos perversos da bomba atômica, que matou milhões de pessoas e, inclusive, sem comentários cruéis acerca do seu criador e, sequer do seu intérprete. Tratou-se apenas de um filme de qualidade, com uma visão histórica de um fato pregresso, visão que pode estar próxima ou distante da realidade que ensejou o roteiro, porque tratou-se, afinal, de entretenimento de valor, com o comprometimento possível de relato de fatos passados.
Minha cara Gabas, agradeço à Fernanda pela sua trajetória profissional, que nos presenteou com carreira riquíssima em conteúdo, mediante participação em filmes, peças teatrais, novelas, livros que produziu, dentre outras tantas atividades e dezenas de premiações que conquistou como melhor atriz ao longo de sua carreira invejável.

Aliás, minha cara, por falar em inveja, temo que o adjetivo seja cotidiano nas vivências das mulheres que costumam não se conformar, até mesmo, com os trajes e calçados umas das outras. Portanto, tome um chá de camomila e refaça leitura tanto do filme, quanto da trajetória dessa atriz brilhante que, inclusive, teve o carinho de dedicar o prêmio que recebeu à sua querida mãe, a grande dama do teatro Fernanda Montenegro.

Cordialmente, Caio Brandão, apenas um enxadrista que ainda sabe reconhecer o caminho das pedras.

Caio Brandão é jornalista e gosta de Fernanda Torres. E acha que inveja é um pecado mortal.










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