CASABLANCA
- Hatsuo Fukuda

- 14 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de out.
Em Casablanca, Ingrid Bergman não sabia se ficaria com Humphrey Bogart. A história era ridícula. Os atores choravam no set. Tinha tudo para dar errado. Foi o maior sucesso.

Casablanca é um grande e maravilhoso filme. E, ao contrário de tantos clássicos de Hollywood dos anos 30 e 40, permanece íntegro e assistível pelas platéias contemporâneas.
Mas é uma história de amor que, francamente, se contada, é patética. Mas todas as histórias de amor são patéticas.
Tem todos os ingredientes que nos atraem: uma grande e belíssima estrela, Ingrid Bergman; um ator charmoso, Humphrey Bogart, cujo estereótipo cinematográfico - o cara durão mas no fundo sensível - se adaptava como uma luva ao papel; uma fotografia espetacular; grandes diálogos, dos escritores Philip e Julius Epstein (e não escreveram para serem citados; era natural deles).
Sobre a natureza do material, um dos homens da Warner, chamado a opinar sobre a história que deu origem ao filme, disse:
“It was crap. But it was a great piece of crap – wich is often better than real literature.”
Hollywood sempre foi cosmopolita, desde sempre. A situação na Europa nos anos 30 só intensificou a vinda de atores, cantores, técnicos, diretores.
Na produção de Casablanca isso está evidente. Michael Curtiz, o diretor, era húngaro; Conrad Veidt, o vilão nazista, era um alemão casado com uma judia; Peter Lorre, artista judeu em Berlin; Paul Henreid (Victor Laszlo), era vienense; Marcel Dalio (o croupier), era francês; S.Z. Sakall (Carl), tinha vindo de Budapest.
A grande Bergman era sueca. Madeleine LeBeau (Yvonne) tinha fugido da França com Marcel Dalio, que por sua vez tinha a mãe em Paris, escondida em um porão.
Só três eram americanos, Bogart, Dooley Wilson e Joy Page, a jovem refugiada húngara, que emociona a todos com sua candura e espírito de auto-sacrifício.
Assim, não é de espantar que a cena em que Victor Laszlo comanda a orquestra para tocar a Marseillaise deixou todo o set em lágrimas. Muitos tinham parentes em campos de concentração.
O filme é recheado de cenas e diálogos memoráveis, que entraram para a história do cinema. Todos tem suas frases preferidas. As minhas:
Ugarte: Você me despreza, não?
Rick: Se eu pensasse em você, desprezaria.
Ou:

E a clássica:
- Prenda os suspeitos de sempre.
Os irmãos Epstein escreviam o material de um dia para outro, às vezes antes do início das filmagens. Trabalhavam apenas duas horas por dia, o que deixava Jack Warner possesso (ele os queria trabalhando full time).
Com sete semanas de filmagem, faltando apenas duas para encerrar o cronograma, não havia decisão sobre o final.
Bergman reclamou: “Como vou interpretar uma cena de amor se eu não sei como a história vai terminar?”
Ela trabalhou a maior parte do tempo no escuro, provando que era uma grande estrela. A cena final foi gravada um pouco antes do encerramento das filmagens.
Eu adoro a idéia de uma grande produção como Casablanca se construindo dia-a-dia, aparentemente quase de improviso.
Caminante, no hay camino. El camino se hace al andar, o que é sempre atraente, seja na vida, na arte, ou mesmo na indústria.
Aqui se mostra a magia de uma indústria, o studio system, em sua melhor face, combinando talento, criatividade, técnica e big money. Casablanca, o filme, recheado de cenas antológicas, é um dos pontos altos deste sistema. Em certas áreas circula a história que a Warner considerava Casablanca apenas como mais uma das centenas de produções que Hollywood fazia todo ano. Errado. Desde o início a produtora sabia que tinha um grande filme na mão; só não sabia quão grande seria o sucesso que fez e continua a fazer.

Não há quem não se comova com a história de amor, com uma Bergman virginal realçada pela fotografia de Arthur Edeson (o mesmo de Falcão Maltês). O personagem inicialmente seria o de uma americana aventureira, e foi modificado posteriormente para se adequar à Bergman. Michael Curtiz se inspirou em um poema de Heinrich Heine para o nome e o personagem:
I am the Princess Ilse/And dwell in the Ilsenstein;
Come with me to my castle,/We will be happy there…
You will forget your pain,/O heartsick man!
Mas a virginal Bergman, nas lendas hollywoodianas, era notória pelos seus casos com seus leading man (embora fosse casada), e a Princess Ilse tinha um elemento de perigo em sua aura de sonho de amor, perigo este que poderia levar um homem à destruição, ou, talvez, simplesmente deixá-lo abandonado em uma estação de trem, debaixo da chuva, com um bilhete na mão.
E levar um homem a renunciar a seu amor, porque pouco importa a vida de três pequenas pessoas neste mundo louco.
Para mim, foi o início de uma bela amizade.
Hatsuo Fukuda*

Casablanca recebeu em 1943 os Oscar de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado. Foi indicado também para melhor ator (Bogart), melhor ator de apoio (Claude Rains), melhor fotografia, melhor edição, melhor score musical (Max Steiner). American Film Institute o tem incluído entre os 100 melhores filmes americanos de todos os tempos (em 3.º lugar, atualmente). Das 100 frases memoráveis do AFI, 5 são de Casablanca. No Youtube você pode ver as cenas memoráveis, e ouvir sem parar aquela fabulosa corny música, As time goes by, que está em segundo lugar na lista das 100 canções do AFI.

Hatsuo Fukuda é um cinéfilo de arrabalde e gosta de filmes patéticos, como Casablanca.









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