Palhaçadas, melosas canções de amor, paraísos tropicais; que viva Mexico!
Sou, há anos, um empedernido radical chavista. Juntei-me à multidão de camisetas vermelhas e antenas na cabeça quando visitava meus sobrinhos que o assistiam de manhã e à tarde. Ninguém contava com sua astúcia, Chapolin Colorado. Depois, quando tocou minha vez, meu filho o assistia (junto com o maravilhoso Castelo Ra-Tim-Bum), também de manhã e à tarde, repetindo sempre os mesmos programas, sempre rindo das mesmas piadas e gags. Chaves, Chapolin Colorado, Chiquinha, Seu Madruga, Quico, Dona Florinda e os outros, são da mesma linha de Mario Moreno, o Cantinflas, que nas gerações anteriores seduzira as plateias do mundo com suas palhaçadas. No México, o falecido Roberto Bolaños, criador, escritor e intérprete de Chaves, é conhecido por Chespirito, Pequeno Shakespeare.
Ignore os cenários paupérrimos de Chaves, a ausência de recursos. Sua força está no texto enxuto, nas histórias sem ponto morto e no carisma dos atores, à maneira circense (sempre a mesma velha palhaçada). Este era o México que o mundo conhecia, que dançava ao som dos boleros de Agustín Lara (Solamente una vez, amé en la vida, solamente una vez, e nada más): um povo amável, gentil, e terrivelmente sentimental, amando e se desiludindo ao som de boleros e mariachis, divertindo-se em família com os ingênuos Chaves, Cantinflas e telenovelas.
Hoje, a trilha sonora mexicana é o narcocorrido, grupos de músicos que exaltam o narcotráfico e seus chefes, em canções de narrativa cinematográfica e dançante. Deles, conheço Los Tigres del Norte, banda estabelecida nos EUA, que gravou mais de 50 discos e faz um extraordinário e merecido sucesso ao Sul e Norte do Rio Grande com suas canções de amor, crime e denúncia política. Nestes narcorridos eles cantam seus Godfathers, mas a batida é latina, não siciliana:
“Soy el Jefe de Jefes señores,
Y decirlo no es por presuncion,
Muchos grandes me piden favores,
Porque saben que soy el mejor,
Han buscado la sombra del arbol,
Para que nos les de duro el sol”
Hollywood nos dá vislumbres dessa realidade em filmes como Sicario, de Denis Villeneuve, com os extraordinários atores Emily Blunt, Benicio del Toro e Josh Brolin. Em Sicario, os viadutos de Ciudad Juarez são decorados com cadáveres; ao cair da noite, o populacho se diverte com fogos que não são de artifício. Em Chamas da Vingança, de Tony Scott, com Denzel Washington, Dakota Fanning e Christopher Walken, a indústria de seqüestros no México é trazida à tela. Há outros filmes e séries, muitos outros. Mas a realidade noticiada nos jornais é muito pior, se e quando noticiada. Neste mundo hobbesiano, não há espaço para diversões inocentes, ao som de mariachis e boleros. Longe, muito longe, a pacífica favela onde moram Chaves e seus amigos.
Houve tempos mais amenos. O México costumava ser um paraíso para onde se dirigiam aqueles reprimidos anglo-saxões à procura de bebida barata, praias paradisíacas, mulheres lindas e sensuais como Maria Felix. Como ainda canta Frank Sinatra:
“It happened in Monterey
A long time ago
I met her in Monterey
In old Mexico
Stars and steel guitars
And lips as red as wine
Broke somebody’s heart
And I’m afraid that it was mine”
Ou Elvis Presley, em Seresteiro de Acapulco (Fun in Acapulco), onde Hollywood, tipicamente, faz uma mistureba louca na canção Garoto Bossa Nova, mas que mesmo assim mantém o encanto do jovem Presley, magro e rebolante, ainda longe dos anos em que, não tão velho mas quase destruído por excessos, firmou em definitivo a sua lenda nos shows em Las Vegas.
Bons tempos. Tomar pileques homéricos no México, como costumava fazer o velho John Ford e sua trupe. Namorar belas latinas. Hoje seriam seqüestrados por gangues.
As canções de Agustin Lara serão tocadas enquanto um homem amar ou fingir amar uma mulher. Frank Sinatra, Elvis Presley e Los Tigres del Norte; para cada momento, uma canção. Se você estiver hospedado na Penitenciária Folson, melhor. Há um ótimo documentário na Netflix sobre Los Tigres del Norte. Chaves continua passando na TV aberta, na fechada, no Youtube. Denis Villeneuve e Tony Scott, grandes cineastas, valem uma missa.
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