ELIS REGINA, A FILHA DE UMA LAVADEIRA, SE APRESENTA NO FESTIVAL DE MONTREUX E QUASE DESMAIA
- Hatsuo Fukuda

- há 24 horas
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Festival de Montreux, 1979
André Midani
Eram dez da noite quando Elis, feito um furacão, entrou no palco. Eu costumava ficar na coxia, atrás do palco, assistindo aos shows pelo circuito interno de TV. Naquela ocasião, estava saboreando de antemão um final que seria um apogeu. Fui pegar uma água; ao voltar, ouvi do stage manager:
- Olha, sua artista vai desmaiar no palco...
De fato, Elis suava aos montes, estava pálida e ofegante, como que carregando o mundo nas costas. Peguei minha água, coloquei-me de quatro, e foi assim que entrei pelos fundos do palco, o mais discretamente possível, em direção a Elis. Nesse momento, Elis virou-se para o César, que estava ao piano, e me vendo lá plantado de quatro com o copo na mão, precipitou-se em minha direção, bebeu a água de um jato e voltou ao microfone. Suou um bocado mais e cantou como se fosse seu calvário, dramaticamente, majestosamente, e, pouco a pouco, o peso do mundo foi se aliviando das suas costas. O final do show foi espetacular e grandioso - o público ovacionou com 11 pedidos de bis!
Nesse momento, o Hermeto aparece a meu lado na coxia, resmungando:
- Essa mulher é fantástica. Mas eu tenho que ensiná-la a cantar!!!
Elis saía do palco – extenuada - em nossa direção, quando Hermeto a pegou pelo braço e a levou à força de volta ao palco, sentou ao piano e começou a tocar Garota de Ipanema, que Elis havia jurado jamais cantar. Porém, não houve como escapar. Plantada no meio do palco, o público em paroxismo, ela acabou interpretando também Asa Branca.
Eu nunca tinha ouvido Hermeto tocar piano solo, nem ouvido um piano tão bonito... Elis, por sua vez, deu uma performance à altura da provocação do Hermeto, e a jam session ficou tão emocionante que até hoje considero que faz parte dos grandes momentos da música brasileira.
Depois do show, jantando no restaurante do cassino, perguntei baixinho a Elis o que havia sucedido:
- Quando pisei no palco, lembrei que a Ella Fitzgerald tinha pisado dois dias antes naquele mesmo chão, lembrei que sou filha de uma lavadeira... Eu fiquei transtornada e queria morrer!

André Midani foi, durante os anos 1960 aos 90, o mais importante dos executivos da indústria fonográfica brasileira. Ele esteve no nascimento da Bossa Nova, do Tropicalismo, do rock brasileiro nos anos 80.
Um anúncio feito pela gravadora Phonogram, por ele dirigida, nos anos 70, com uma foto com todos os seus artistas, dizia: “Só nos falta o Roberto. Mas ninguém é perfeito”. Todos os mais importantes artistas brasileiros lá estavam.
O livro Música, Ídolos e Poder, em que ele conta, em uma linguagem leve e atraente – Midani era um poço de charme – histórias de sua vida e da música popular brasileira e internacional, é imperdível para quem se interesse pela música popular.
O livro está disponível na Amazon Books por R$ 25,20. Compre, não seja muquirana.
Escolhi este trecho, em que ele conta o episódio da participação de Elis Regina e Hermeto Pascoal no Festival de Montreux de 1979. É emocionante. Mostra porque Elis foi a mais importante das cantoras brasileiras, e, incidentalmente, mostra porque Midani conseguiu reunir tantas estrelas nas gravadoras que dirigiu.
(Hatsuo Fukuda)

Hatsuo Fukuda concorda com Midani: esta jam session foi um dos maiores acontecimentos da música popular brasileira de todos os tempos.










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