A Inteligência Artificial vai vencer os atores e roteiristas? A briga promete. Entre a máquina e os humanos, torcemos pelos humanos.
Imagem de Rede de Comunicação Popular
A greve dos roteiristas e atores prossegue, em Hollywood, com sinais, aqui e ali, de um possível acordo. A disputa não é apenas por caraminguás aos famintos roteiristas e atores. Está em jogo o uso da imagem e som pela inteligência artificial, e repete, alguns decibéis acima, a briga histórica travada pelo uso dos filmes e séries pela televisão, no início dos anos 60. Os grandes produtores, na época, foram obrigados a dividir o bolo do uso pela tevê dos filmes com atores e roteiristas, e agora a grande preocupação é o uso indiscriminado e eterno das imagens pelos programas de inteligência artificial. O que vai sair deste angu ainda não sabemos, como não sabemos ainda das consequências da inteligência artificial na vida em sociedade.
Mas que se acautelem, todos, as grandes majors e atores, roteiristas e toda a indústria de entretenimento americano: um outro inimigo, mais próximo, está à espreita, e fala coreano. O grande irmão do Norte, que nos últimos cem anos moldou a mente e os corações do mundo com seus produtos audiovisuais, enfrenta agora o desafio que vem do Oriente. As séries e filmes coreanos, graças à internet, estão tomando conta do imaginário mundial. Mas não só filmes e séries; também na música, na moda, e toda a parafernália que acompanha a indústria do entretenimento.
Já falei aqui sobre isso, maravilhado com a redescoberta do cinema que a indústria coreana está produzindo, com base em ótimos roteiros e diálogos, atores e atrizes excelentes, e uma produção impecável. O sucesso veio a galope, e com ele o dinheiro. Hoje a indústria coreana de entretenimento é o terceiro maior produto de exportação coreano, atrás apenas da indústria automobilística e de produtos de alta tecnologia. Outro milagre coreano, realizado em menos de cinquenta anos.
Não há mistério nisso. A sociedade coreana, altamente internacionalizada – quem assiste os filmes e séries sabe disso – está plugada no mundo. Isso, aliado a uma base cultural riquíssima – uma cultura literária de mais de dois mil anos – faz com que todos os seus produtos, sejam computadores e celulares ou carros ou filmes ou músicas, tenham um ar simultaneamente local e afinado aos ouvidos ocidentais. Eles são naturalmente cosmopolitas, eles são naturalmente nacionalistas, nada fere seu forte senso de individualidade.
Por outro lado, a Netflix. Ela, quando surgiu, não tinha conteúdo próprio, que estava nas mãos dos tradicionais players do mercado: Disney, HBO, as grandes majors de Hollywood. Acordos comerciais de uso foram a alavanca inicial, antes que as grandes se dessem conta da nova era do mercado que a Netflix estava abrindo. Em paralelo, o garimpo de produções próprias. Para uma lojinha que atingia o mundo todo, como a Netflix, a busca de conteúdo televiso no mundo externo a Hollywood foi um caminho natural. E, naqueles anos, o cinema coreano estava em ascensão, acumulando prêmios de prestígio em festivais no mundo todo, e exportando suas séries para a Ásia. A indústria coreana de entretenimento já estava consolidada, e a Netflix surfou na onda, injetando bilhões de dólares em produção cinematográfica e televisiva, levando-a ao mundo todo. Ted Sarandos, o CEO da empresa, conta que 60% de seus assinantes já assistiram um título coreano. E, para pasmo da turma do Cahier du Cinema, 90% do público de K-romance está fora da Coreia. Aquelas histórias bobinhas, água com açúcar, sem sexo animal, sem palavrões, rodado na base de narrativas e diálogos – com um exército de Kens e Barbies orientais – fazem sucesso no mundo inteiro.
Vamos torcer para que a greve se resolva o quanto antes. Várias das estreias do ano foram canceladas, como Duna 2, de Dennis Villeneuve (ficou para março de 2024). Napoleão, de Ridley Scott, outro grande lançamento do ano, até agora está mantido para dezembro deste ano, mas a produção de Gladiador 2, também de Scott, já foi prejudicada.
Imagem promocional
Comemorando os vinte anos de lançamento de Oldboy, de Park Chan-Wook, uma versão digital, em 4k, foi lançada nos cinemas. Oldboy foi um dos marcos da onda coreana, quando ganhou o Grande Prêmio do Júri de Cannes em 2004 (foi preterido por um documentário de Michael Moore), provocando um frisson mundial, com a mistura absurda de violência, drama, ação e profundidade psicológica, embrulhada magistralmente pelo diretor. Hoje se sabe que esta é uma das habilidades do cinema coreano. Se você não viu, não perca.
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