NETFLIX + HBO: TUDO A VER?
- Hatsuo Fukuda

- há 2 dias
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Hatsuo Fukuda
A Netflix propôs-se a adquirir os estúdios da Warner e o streaming HBO, numa jogada corporativa que uniria o maior streaming – Netflix – com o terceiro maior – HBO – e daria à Ted Sarandos, o chefão da Netflix, o controle da Warner – cem anos de acervo que inclui grandes clássicos – e uma expertise cinematográfica ainda viva.
É o tema do momento, que está agitando Hollywood – todos contra – e o mundo dos negócios e da política americana (Trump e seu genro, Jared Kushner estão envolvidos). A jogada corporativa, se tiver sucesso, impactará o futuro do cinema nos próximos anos, e mudará em definitivo a experiência cinematográfica dos consumidores.
Resta ver se essa aquisição, que completaria o domínio da Netflix na indústria, seria bom para nós, amantes do cinema.

Ted Sarandos, o chefão da Netflix, todos sabem, não acredita na magia do cinema. Ele acredita que o futuro da indústria é o streaming, e as salas de exibição são uma coisa ultrapassada. Isso se reflete nas produções da Netflix, que são exibidas nas salas por um breve período – para marcar território – porque a exibição nas salas é uma exigência do Oscar. Mas elas ficam por pouco tempo, e em poucas salas.
Tem sentido. A maioria dos amantes do cinema assiste hoje os filmes no conforto de suas casas, e raramente sai para enfrentar cinemas lotados e os altos preços dos ingressos e da pipoca.
Foi-se o tempo em que cinema era a diversão de pessoas com poucos recursos – crianças indo à matinê nos domingos à tarde, pagando algumas patacas pela diversão – e a televisão e o rádio não se comparavam com a experiência cinematográfica.
Os televisores, hoje, superam em qualidade a maioria das salas dos tempos em que cinema era a única diversão da patuléia. E nada como assistir um filme ou série no conforto de sua casa, comendo uma pizza e tomando uma gasosa.
A Netflix, por razões comerciais – eles não tinham produção própria – internacionalizou a produção cinematográfica numa escala nunca vista em Hollywood. As produções nacionais ganharam visibilidade. Quem diria que a Espanha produziria algo além de Almodovar e Carlos Saura? E as excelentes produções nórdicas e polonesas? E, claro, os K-dramas.

A produção coreana ganhou o mundo, graças à Netflix. Alguns sucessos extraordinários como Round Six destacam aquilo que todo amante de cinema já sabia: Seul é a nova Hollywood, com a inventividade e o profissionalismo da velha Hollywood. Estou exagerando, mas é por aí.
A necessidade é a mãe da invenção. Netflix, sem produção própria, foi obrigada a investir pesadamente na internacionalização – injetou bilhões de dólares na Coréia – nisso acompanhando uma situação de facto: graças à Internet, o mundo tornou-se uma aldeia. Os grandes estúdios de Hollywood não souberam ou não quiseram se dar conta dessa nova realidade. Com isso, Netflix tornou-se o grande streaming do mundo, deixando para trás os demais, como a HBO.
Um chefão da Netflix comentou que a Netflix serve cheeseburguer gourmet, e a HBO é um restaurante estrelado pelo Guia Michelin. Ambas as afirmações são discutíveis, mas não há dúvida que HBO oferece uma experiência televisiva diferenciada.

Game of Thrones, por exemplo, só aconteceu graças ao poder econômico da HBO e sua audácia criativa. Só a HBO aceitou produzir a série, rejeitada por todos os estúdios. HBO ganhou 220 Emmys e foi indicada para mais de 1500. Um fenômeno. Ela é sinônimo de qualidade artística.
Em tese, portanto, a junção de Netflix e HBO faz sentido. Uma tem a expertise do produto de massa, a outra a do produto de qualidade. A lojinha passará a vender cheeseburguer e comida gourmet. Ganha o espectador. Será?
Como tudo na vida, Deus reside nos detalhes, que ainda não foram divulgados. As operações Netflix e HBO se manterão intactas? Ou serão fundidas? Esta é uma questão que interessa diretamente ao consumidor, que hoje paga por dois streamings.
Pode-se antecipar algumas coisas, com base nas experiências anteriores de fusão. A primeira medida é sempre diminuir custos, racionalizando as estruturas redundantes. Neste caso, a primeira vítima será a cultura corporativa da HBO, acostumada a gastar com o objetivo de obter um produto de qualidades superior. Afinal, não se faz comida três estrelas pechinchando na quitanda do vizinho.
Vamos dar um desconto para Ted Sarandos, da Netflix. Ele é do ramo, e não creio que esteja gastando tanto dinheiro (oitenta bilhões de dólares) para matar a galinha de ovos de ouro. Enquanto isso, acompanhamos a novela. A Paramount-Skydance fez a sua própria oferta, de cem bilhões. Muita água vai rolar debaixo desta ponte.
Vai dar um filme. Ou uma série.

Hatsuo Fukuda, um cinéfilo de arrabalde, quer saber se vai poder assistir filmes no cinema.









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