NA BOCA MALDITA
- Hatsuo Fukuda

- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de set.
O flaneur curitibano vai à Boca Maldita no sábado ensolarado. A cidade está viva e animada.

Imagem de Hatsuo Fukuda.
A Boca Maldita estava agitada no sábado. Talvez pelo retorno do inverno à cidade, os dinossauros voltaram, retornando para reencontrar os velhos companheiros. O sol de inverno os animou a saírem dos tugúrios onde lamentam esquecidas batalhas. A rua, como sempre, dividida entre o lado sul, ensolarado, e o lado norte, sombrio como o destino que nos aguarda. De um lado, o MacDonalds, o Bradesco; do outro, os cafés, uma nova loja, espantosamente cor-de-rosa, onde antes funcionava a Livraria Curitiba, e a entrada para a galeria Tijucas, com seus segredos bem guardados. Os dinossauros se dividem entre um lado e outro, ou, como eu, percorrem a trajetória entre o sol e a sombra, ao sabor dos conhecidos que apareciam.
Um café iria bem na manhã fria, mas a aglomeração em torno de uma banda de rua chamou minha atenção. Precisando distrair meu vazio interior, me aproximo da pequena multidão. Um menino agitava a turma na bateria, um homem tocava sax, uma mulher cantava no microfone, acompanhada do violão. Uma banda familiar evangélica. E fazendo sucesso, porque a mulher ao meu lado cantava e dançava ao som da canção. Eu, empedernido caminhante blasé, tenho lambido minhas feridas com Cole Porter e Irving Berlin; talvez devesse seguir o maior herói de todos os tempos, como dizia a canção? Cartas à redação. Enquanto isso, seguirei ouvindo o som do silêncio, como bom dinossauro.
Uma enorme fila em frente à loja cor-de-rosa se estendia até a Ermelino de Leão e de lá seguia em direção à Cândido Lopes, atrapalhando a entrada do Hotel Del Rey, que recebia o habitual cortejo de ônibus de turismo. A confusão prosseguia até os equipamentos de lazer da Prefeitura, alojados no começo da Praça Osório, e emendava com a Feira de Inverno, já movimentada com a turma dos comedores de curau e pamonha.
Perto do Bondinho, o saxofonista Lathof tocava solitário. Seu som requintado não se coaduna com a patuleia? Não creio, pois eu o vi pela primeira vez na feirinha da Osório, animadíssimo, tocando Bella Ciao, como faria um partigiano antes da batalha final. E no meio de uma multidão, no começo da noite, profissionalíssimo. Acho que o instrumento necessita de um pouco de calor, penso.
A banda evangélica familiar e o saxofonista. Fotos de Hatsuo Fukuda.
O governador Pessuti animava uma rodinha em frente ao café. Também o deputado Romanelli estava por lá. Os grupos se faziam e desfaziam. Ambos, como bons caboclos paranaenses, preferem conversar analogicamente com seus amigos e admiradores. Ou seja, ao vivo e a cores. Eles são do tempo em que as conversas se faziam olho no olho. Há outros, mas a maioria hoje está nas redes sociais. Os políticos deveriam lembrar de Donald Trump, o mais digitalizado dos presidentes americanos (dono de sua própria rede, Truth Social), que vive nas redes, mas que é obcecado por encontros pessoais com os líderes mundiais. Ele também prefere fechar grandes acordos olhando no olho de seus aliados e adversários. Trump no fundo é um jurássico, que gosta de conversar com pessoas ao vivo.
Sigo pela Rua das Flores, esquivando-me da multidão. No trecho entre a Monsenhor Celso e a Barão do Rio Branco, uma explosão rosa me aguardava. Todas as cerejeiras resolveram florir ao mesmo tempo. Os passantes, deslumbrados, fotografavam as flores e a si mesmos. A vida, por um momento, tinha sentido, e os versos do Hino de Curitiba vieram automaticamente à mente. Jardim luz, cheio de rosa, cidade linda e amorosa. Mesmo para os dinossauros.
















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